Projeto da Feira Popular para Carnide já custou mais de 5 milhões

Afinal, a Feira Popular de Lisboa não vai para Carnide. O anúncio foi feito por Carlos Moedas. Mas desde 2015, ano em que se fez o anúncio, já se investiram milhões de euros no projeto.

Mais de cinco milhões de euros investidos depois, afinal, o projeto da Feira Popular em Carnide não é para avançar. Analisando o Portal BASE, que lista os contratos públicos, é esta a soma dos diversos contratos assinados pelo Município de Lisboa com vista à construção do Parque Verde da Nova Feira Popular.

Passados sete anos desde que Fernando Medina anunciou, em novembro de 2015, que a Feira Popular de Lisboa seria construída em Carnide, e cumprindo aquilo que já estava previsto no seu programa eleitoral, Carlos Moedas, atual autarca da capital, anunciou que vai deixar cair o projeto, mantendo a intenção de criar o parque verde no local. Entre os gastos da autarquia nos últimos anos com este projeto, que passam os cinco milhões de euros, encontram-se despesas de dezenas de milhares de euros relativas diretamente à reativação da feira, que chegou mesmo a ter uma campanha de marketing associada, com o slogan “a feira vai voltar”. 

É o caso de 17 mil euros pagos em agosto de 2016 a uma empresa de produção musical para a “criação, composição e gravação da Brand Song para a marca ‘Feira Popular – A Feira Vai Voltar’”. Há ainda um contrato de 19.970 euros, em maio de 2021, adjudicado a uma agência criativa para “acompanhamento através de recolha de imagens da obra de construção do Parque Verde da Nova Feira Popular”.

No Portal BASE encontra-se também um contrato assinado em maio de 2016, no valor 67.500 euros (valores a que acresce ainda o IVA), para “assessoria estratégica” para a instalação da nova feira popular de Lisboa, na altura adjudicado pela autarquia à McKinsey International.

Em agosto do mesmo ano, por 19.800 euros, foi contratado um estudo qualitativo de mercado “para conhecer as necessidades e expectativas da população relativamente à nova feira popular”. E em setembro de 2018 surge ainda listado um contrato para aquisição de serviços de assessoria jurídica para a nova feira,  no valor de 62.900 euros.

A maior fatia da despesa prende-se com intervenções nos terrenos, desde logo a empreitada contratada em 2018 à Vibeiras para a construção do Parque Verde da Nova Feira Popular, no valor de 4.195.594 euros (mais IVA), tendo sido gastos no mesmo ano 500 mil euros num movimento de terras. Não é claro se o projeto aproveitará o que já foi contratado e em que moldes ou calendário.

O i questionou Carlos Moedas sobre o que aconteceria agora a estes investimentos já feitos, mas o gabinete do autarca disse não ter nada mais a acrescentar ao que foi dito nos últimos dias. “O conceito de Feira Popular hoje já não faz o mesmo sentido do que há 20 ou 30 anos atrás. Nós temos de repensar esse conceito. Sobretudo temos de ter ali um parque verde com equipamentos para as pessoas. Faz muito mais sentido neste momento”, disse Carlos Moedas, citado pela Renascença.

O parque de diversões foi inicialmente projetado para um conjunto de terrenos junto ao Bairro Padre Cruz, em Carnide, estando previsto um investimento de 70 milhões de euros. Se bem que foram feitos os vários investimentos supramencionados, entre muitos outros, as obras estão, no entanto, paradas há cerca de um ano, como lamentou esta semana, já após o anúncio de Moedas, o presidente da junta de freguesia.

No seu programa eleitoral, Moedas afirmava querer “transformar o atual projeto da Feira Popular, para prever um novo Parque Urbano, com equipamentos de lazer e desporto, incluindo uma nova piscina exterior natural em Carnide, de grande dimensão, ambientalmente inovadora”, não tendo sido no entanto apresentada ainda uma nova cronologia para a obra.

Fábio Sousa, presidente da Junta de Freguesia de Carnide, defendeu a projeção deste parque urbano, acusando apenas o abandono dos terrenos em questão. “Eu não me oponho, obviamente, à construção do parque verde, e então se vier acompanhado de equipamentos para usufruto da população, sejam eles desportivos, como uma piscina, equipamentos desportivos e equipamentos sociais, obviamente que não me oponho a nada disso”, disse à Lusa o autarca eleito pela CDU.

 

Reações políticas

O Partido Comunista reagiu no entanto negativamente ao anúncio de que a feira popular tinha caído. “Qualquer projeto diferente para os terrenos de Carnide deve ser acompanhado de uma proposta de localização alternativa para a Feira Popular”, defenderam os comunistas numa nota oficial, indicando que desde o fecho do espaço em Entrecampos, no ano de 2003, “o PCP avançou, por duas vezes (2008 e 2015), com uma proposta concreta de localização da nova Feira Popular, junto à frente ribeirinha, numa área integrante do Plano de Urbanização da Zona Expo (área abrangida pelo Plano de Pormenor PP6 — Parque Tejo)”.

“É inaceitável o tempo que, desde a decisão até agora, foi perdido e o estado em que se encontram aqueles terrenos, numa situação de insalubridade, abandono e perigosidade”, acusou ainda o PCP.

Também o Bloco de Esquerda de Lisboa considerou ser “inaceitável” que Moedas deixe cair assim o projeto inicialmente proposto por Fernando Medina em 2015, acusando-o de “desistir de governar”.  “O presidente da Câmara Municipal de Lisboa diz que estes espaços de diversões não fazem sentido na cidade porque desistiu de governar para quem aqui vive, concentrando-se apenas no turismo e no imobiliário”, afirma o BE em comunicado, onde aponta também o facto de a Feira Popular em Entrecampos ter fechado em 2003, “fruto da enorme pressão imobiliária sobre os terrenos de Entrecampos”.

Na mesma onda de críticas esteve a vereação do PS na Câmara de Lisboa, defendendo que a proposta de Medina em 2015  “para lá de uma ambição fortemente reclamada pelos lisboetas há quase 20 anos, era um instrumento crítico para o equilíbrio da carga económica e turística da cidade”. “A imagem de marca de Carlos Moedas, como se viu uma vez mais, é não fazer. Perante o desafio de algo que possa dar trabalho, ou gerar alguma crítica, Moedas recua, suspende ou cancela”, afirmou o PS.