Quem sai da Cidade do Panamá em direção a sul, numa estrada em mau estado desenhada sem jeito por entre filas de palmeiras, vê barracas de tetos de alumínio mas de certeza que não vê leões. Depois chegará a uma cidadezinha chamada Guararé, na província de Los Santos, na península de Azuero, lugar onde nasceu Manos de Piedra. O seu pai era um velhaco. Soldado americano destacado para o batalhão de defesa das fronteiras do território do Canal do Panamá, mal soube que engravidara uma rapariguita chamada Clara Samaniego, pôs-se na alheta de regresso ao Arizona, no Estados Unidos, lugar onde nascera de uma família de emigrantes panamianos, os Durán Sanchez. Enfim, saiu de casa para ir fazer um filho em casa dos avós e voltou. Uma besta. Apesar disso, Roberto, não renegou o pai e usou sempre o seu nome: Dúran.
Após a fuga do cobarde, Clara levou Roberto para El Chorrilho, povoação mesmo encostada ao muro entretanto erguido pelos americanos para manter os indígenas longe das suas vivendas finórias com piscinas. Durán cresceu a saltar o muro para ir roubar mangas nos quintais do lado de lá e a participar em refregas de rua e cenas de pancadaria gratuita que, no fundo, era apenas a forma como os miúdos da sua idade descarregavam frustrações e lidavam com os seus complexos de inferioridade provocados pela exibição de riqueza dos gringos.
Há quem afirme, sem se engasgar, que Roberto Durán foi o maior peso-leve de todos os tempos. Foi um ganhador: campeão do mundo de leves, meio-médios, médios-leves e médios. E um eterno revoltado, desde menino até iniciar a sua carreira profissional aos 16 anos, no ginásio Neco de La Guardia, treinado por Roy Arcel, um mestre que fez vinte campeões mundiais. O Panamá tornou-se pequeno demais para Durán. Mudou-se para os Estados Unidos, território inimigo. Sabia bem que a sua chegada necessitava de ser sublinhada por uma frase que fizesse explodir as manchetes dos jornais que não aceitam que um boxeur seja um fulano discreto e dão preferência aos fanfarrões. Por isso tiveram direito a uma fanfarronada mal Roberto desembarcou: «I am not God – but I am something similar!».
A imprensa adorou Roberto e todas as confusões em que foi capaz de se enfiar. Eram praticamente diárias e estava-se nas tintas se estivesse na véspera de um grande combate. Ele próprio contou que numa noite, em Miami, numa boate, um tipo que não conhecia de lado nenhum se sentou à sua mesa e lhe pôs na frente dos olhos 250 mil dólares em notas para que, quinze dias mais tarde, subisse ao ringue para defrontar o terrível Thomas Hitman Hearns. Durán aceitou de imediato. Estava demasiado entretido com duas mulheres que lhe confessaram ser lésbicas para prestar atenção a dinheiro. Excitado com a perspetiva de uma longa noite a três, levou-as para um quarto mas rapidamente percebeu que o caso iria ser muito sério e que elas podiam ser tão duras e resistentes como ele. Um deboche. «Foi o melhor tempo da minha vida. Passámos mais de uma semana fechados num quarto a fazer sexo e a beber champanhe. Na verdade, nunca mais me lembrei do maldito Hearns», contou na sua autobiografia, I Am Durán. No dia 15 de junho de 1984, no Ceasar’s Palace, em Las Vegas, Nevada, Hitman acabou com a refrega ao segundo dos doze assaltos programados. Por KO. «Quando caí com a cara no chão depois de um golpe de Thomas a única imagem que me surgiu na cabeça foi a daquelas duas lésbicas no meu quarto de Miami. Não sei porquê, mas desatei a rir».
Roberto teve uma relação volátil com o dinheiro. Gastava tudo o que ganhava e chegou a ganhar francamente muito. «Queria divertir-me. Ter tudo o que nunca imaginei que alguma vez pudesse ter na minha infância em El Chorrillo. Até entrar pela porta de Hollywood». Não entrou. Ficou na ombreira. Silvester Stallone convidou-o para um pequeno papel em Rocky II. Deveriam enfrentar-se e deixar o povo festejar a vitória do seu herói. Durán levou a coisa a sério e não esteve pêlos ajustes. Deu uma carga de porrada em Stallone e, como seria de esperar, ficou fora das filmagens. Eram tempos tão abandalhados da sua existência que deixou de ter a simpatia popular que tanto lhe custara a ganhar. Havia quem lhe chamasse nomes na rua, atiravam pedras às vidraças de sua casa, mandavam o cholo para casa. Roberto resolveu seguir a velha máxima – «Quem tem medo compra um cão». Mas um cão era de menos para o maior desportista panamiano de todos os tempos. Em vez de um cachorro, comprou um leão bebé e deu-lhe o nome de Walla. Passeava-se com ele pela trela, descontraidamente nas ruas de Nova Iorque, como se desafiasse: «Vem agora aqui insultar-me se és capaz!».
Durante os quatro ano seguintes, Walla foi a sua melhor companhia. Estragava o bicho com mimos. Certa tarde, quando brincava com ele na praia, a fera tombou para o lado repentinamente. O veterinário diagnosticou a causa da morte: um ataque de coração provocado por obesidade. Comia tudo o que queria. A vida de Roberto Durán e de quem o rodeou esteve sempre equilibrada no arame de tudo ou nada.