Por Virgílio Machado, Professor adjunto UALG e Autor de Portugal Geopolítico
Que os poetas e escritores portugueses tomem a palavra. Escrevia Fernando Pessoa: «A minha Pátria é a língua portuguesa (…)». Ainda em Mensagem (1934) o ilustre escritor, qual pregador, assim se inspirava: «Deus quis que a terra fosse toda uma, Que o Mar unisse, já não separasse (…)». O génio apela a um contexto comunicativo em que o cultural e o político se assumem como conceitos tão particulares quanto universais, porventura superiormente dirigidos por elementos naturais onde o mar une a terra.
Será Saramago um escritor geopolítico no seu Memorial do Convento (1994)? A localização do convento de Mafra, símbolo máximo do político e religioso no império de João V não lhe passou despercebida (…) «Ficará neste alto a que chamam de Vela, daqui se vê o mar, correm águas abundantes e dulcíssimas para o futuro pomar e horta (…)». A Vela tem tanto de divina, como de utilitária, pois, assinala o escritor, será fonte de águas que satisfarão o pomar de franciscanos sempre aproveitadores, tal como os cistercienses, das altas régias decisões de Estado. A Vela, alimentava simbolicamente o pragmatismo da orientação portuguesa para o mar. As decisões humanas tinham em conta os elementos naturais.
E o que dizer de Camões em Os Lusíadas (1572), considerada a obra-prima da literatura portuguesa? O Canto Primeiro, nas primeiras alusões ao poder e governo, invoca: «Deixam dos Sete céus o regimento, Que do poder mais alto lhe foi dado, Alto Poder, que só co´ o pensamento Governa o Céu, a Terra e o Mar irado (…)».
Séculos separam estas obras. Unem-nas contextos geográficos, como mar, terra, alto invocados na relação com o poder. Não ignoraria Pessoa que a língua é um instrumento de comunicação, de identidade cultural e de afirmação política da sua Pátria. Saramago, no retrato satírico da grandeza do reino imperial de D. João V localizou no convento a expressão humana e natural das suas fragilidades. Camões, procurando o mecenato régio de sua obra, assume corajosamente que a melhor forma de governo está no pensamento. O mesmo consegue unir os elementos naturais da melhor forma, em especial, o mar irado.
Estudiosos, como Venâncio em Assim Nasceu uma Língua (2019), defendem que o português é um conjunto de fatores onde o político assume especial relevância na sua formação. Verificou-se necessidade de construção de um Estado, com formulações uniformes em documentos, leis e contratos diferenciados de outras ordens políticas e jurídicas, nomeadamente, a galega ou a castelhana, línguas próximas e rivais para a autonomia portuguesa.
Surpreende-se a literatura, enquanto seu enriquecimento, dir-se-á, geopolítico, pelo génio universal de grandes autores. O sentir literário expressou-se na capacidade de diferenciar, mas também de unir. De manifestar, simultaneamente, o nacional e o universal como conjugação. Por último, de apelar à importância dos elementos naturais nessa união. Aqui a geopolítica invocada é generosa, superiormente comandada por uma razão natural que une o homem ao mundo, explica-a e dela a Humanidade pode partilhar seus frutos O mar é seu instrumento.
Enquanto expressão de uma razão natural, ao mar devemos prestar contas e falar a uma só voz. Que grande lição para o mundo atual! Da condição da língua como instrumento de identidade geopolítica propuseram os nossos génios universais da literatura um sistema de razão para formulação de novas fronteiras baseadas na força da Humanidade.
Os nossos expoentes assumem que essa força depende de outrem para sua realização. Camões procura reconhecimento da saga portuguesa com o monstro Adamastor. Saramago revela os limites da construção do convento imperial na condição humana. Pessoa compreende um mar português como mar sem fim, porque a Humanidade é sempre projeto em construção. Nestas incursões da geopolítica na língua e literatura portuguesa, proponho que os nossos Institutos promotores do ensino, da cultura e relações internacionais lhe deem bom registo. Porque a memória dos nossos génios da literatura assim o merece.
O ensino da literatura pode incluir, designadamente, roteiros geopolíticos de Almeida Garrett em Viagens na Minha Terra (1846), influências culturais imperiais em Júlio Dinis com Uma Família Inglesa (1868) ou ainda a descolonização em Fado Alexandrino (1983) de Lobo Antunes. A literatura portuguesa e a geopolítica são um mundo em construção. Boas leituras!