O que (ainda) não falamos!

Vivemos tão preocupados e centrados nos problemas internos da Igreja que, muitas vezes, nos esquecemos, na realidade, de falar sobre a verdadeira missão da Igreja: anunciar o Evangelho. 

Eu, sinceramente, deveria escrever alguma coisa sobre os casos de pedofilia na Igreja Católica que vieram a público na última semana: os seis casos anunciados pela própria Companhia de Jesus – ou Jesuítas – e o caso do antigo bispo de Díli. Penso, no entanto, que será bem melhor esperar por mais dados que esclareçam as poucas e escassas informações sobre estes casos, mas também porque se intensificará, sem dúvida, as informações sobre estes e outros casos nas próximas semanas e meses. 

Vivemos tão preocupados e centrados nos problemas internos da Igreja que, muitas vezes, nos esquecemos, na realidade, de falar sobre a verdadeira missão da Igreja: anunciar o Evangelho. O que nos move, a todos, dentro da Igreja é apenas uma coisa: o anúncio do Messias esperado por Israel e que se cumpriu em Jesus que rebentou com as cadeias da morte. 

Eu penso que não precisamos de ter medo de olhar para a Igreja como uma realidade imperfeita e pecadora – mesmo que a doutrina tradicional se refira a ela como uma sociedade perfeita. A Igreja é, de facto, perfeita na medida em que recebe de Cristo a luz que ilumina os seus próprios pecados. A iluminação que Cristo fez brilhar sobre o homem evidenciou que somos cegos, surdos, mudos, coxos e paralíticos.

O próprio Concílio Vaticano II diz que «o mistério do homem só se compreende à luz do mistério de Cristo», isto é, o homem, em Cristo, tem não apenas um modelo, mas uma iluminação. A medida que nos é dada mostra a imperfeição de cada um de nós e não nos podemos escandalizar com o pecado, porque, todos, sem exceção, estamos num estado de iluminação e, consequentemente, num estado de aperfeiçoamento. A perfeição cristã não está tanto na impecabilidade, mas no humilde reconhecimento do pecado individual de cada um que nos coloca em relação com Jesus Cristo que nos vem libertar do jugo que pesa sobre nós. 

É verdade que, depois do Concílio Vaticano II, a Igreja se tem preocupado mais com a sua organização interna do que com a sua missão no mundo. Formou-se, na Igreja, uma espécie de crise de identidade que, no dizer do Papa Francisco, nos empurra constantemente para uma Igreja autorreferencial. Como se passássemos todo o tempo a refletir sobre nós próprios e a nossa identidade.

Ora, a Igreja Católica existe não para olhar para si mesma, mas para transformar os homens levando-os para Deus, levando-os a libertarem-se das suas escravidões. Essa aproximação do homem a Deus faz-se através da celebração dos sacramentos. 

O que a Igreja não conseguiu fazer durante os últimos anos, de uma purificação de si mesma, está agora o mundo a exigir-lhe que o faça. Penso, no entanto, que nem nós padres ou bispos, nem os próprios leigos, devemos ter medo de fazer o que temos para fazer e seguir em frente. Temos de seguir em frente com a nossa missão do anúncio do Evangelho. 

O próprio anúncio do Evangelho, aliás, é, por si mesmo, um anúncio purificador para a própria Igreja, descentralizando-a de si mesma e fazendo-a olhar para aqueles que, hoje, precisam de ser curados das suas cegueiras e paralisias ou das suas surdezes ou de fazer ressoar a boa notícia aos pobres.

Sem dúvida que os nossos pecados ofuscam no mundo o anúncio de Cristo ressuscitado, mas a única coisa que nos deve mover é este mesmo anúncio. É preciso não termos medo… Falarão dos nossos pecados, sempre! Mas o anúncio de Evangelho de Cristo relatado pelos evangelhos começa exatamente com estas palavras: «Arrependei-vos e acreditai no evangelho!».