A sétima arte e a representação da sociedade

A Pequena Sereia e os diversos tons de pele, Bianca e os mais variados tipos de corpo, Velma e todos os tipos de orientação sexual… Que impacto tem a sétima arte na representação da sociedade? E de que modo pode ajudar-nos a evoluir positivamente?

Os casos de Mamá Coco e da família Clutter e dos seus respetivos assassinos são apenas dois dos exemplos mais conhecidos das muitas pessoas cujas vidas se tornaram mais conhecidas através da ficção. Mas, na verdade, também podemos pensar nos casos opostos: nas personagens fictícias que nos influenciam, enquanto seres humanos.

É o caso d’A Pequena Sereia, mais conhecida como Ariel, que tem dado que falar devido a algo que devia ser tão banal quanto o seu tom de pele. No entanto, tal ainda é motivo de debate e, portanto, Halle Bailey, a atriz de 21 anos que encarna a princesa, anda nas bocas do mundo precisamente por ser negra. No passado mês de setembro, na plataforma TikTok eram vários os vídeos que estavam a ser partilhados mostrando a reação das crianças afro-americanas ao perceberem que a Pequena Sereia tem o mesmo tom de pele que elas. «Ela é negra como eu!», exclamava uma delas, emocionada, enquanto outra questionava: «O tom de pele dela?» com as lágrimas nos olhos. Mas, como seria de esperar, nem toda a gente estava feliz com a escolha de Halle Bailey para o papel de protagonista e o botão de ‘Não Gosto’ do vídeo publicado no Youtube chegou aos 1,5 milhões, quando o botão de ‘Gosto’ contava apenas com 617 mil, sendo que a plataforma resolveu mesmo omitir o número de cliques no botão de ‘Não Gosto’.

Para além disto, como era explicado, «inúmeros comentários e publicações negativos têm sido partilhados com a hashtag #notmyariel (em português #nãoaminhaAriel), alegando que a decisão da empresa choca com o conto de fadas da autoria de Hans Christian Andersen, publicado originalmente na Dinamarca em 1837». O caso de Ariel, em que a necessidade da representatividade não vai ao encontro do preconceito, alinha-se com o de Bianca, em que a chamada gordofobia já está a surgir. Esta rapariga é a primeira protagonista plus size da Disney, da curta-metragem de dois minutos ‘Reflect’, e já há quem a ame e odeie.

‘Reflect’ começa com Bianca, cuja aula de dança é rapidamente amortecida pela dúvida depois de o instrutor a repreender com a célebre frase «barriga para dentro, pescoço para cima». O vidro racha e Bianca é rapidamente sugada para um espaço escuro e sinistro, onde (alerta de spoiler) ela deve dançar sem inibição para combater com sucesso o seu reflexo.

A diretora Hillary Bradfield, mais conhecida pelo seu trabalho nos filmes da Disney ‘Encanto’ e ‘Frozen II’, diz que se baseou nas suas próprias experiências com a imagem corporal. «Sinto que sou uma pessoa muito positiva em relação ao corpo por princípio. Mas, quando é a nível pessoal, é muito mais difícil ser positiva ao corpo», confessou, sendo que nas redes sociais há quem tenha deixado perguntas como «Por que raio a protagonista gorda não pode estar no ecrã durante duas horas? Cobardes!» ou «Será que não podem fazer filmes em que a história não gire à volta do peso das personagens? Obrigada».

Além do tom de pele e do peso, temos também casos como o de Velma Dinkley, personagem principal de Scooby-Doo, que ajudam quem tem problemas em assumir a sua orientação sexual ou ainda não a descobriu. Há muito tempo os fãs e criativos de sabem que Velma é gay. Até James Gunn, que escreveu os primeiros filmes de ação ao vivo, e Tony Cervone, que atuou como produtor supervisor na série “Mystery Incorporated”, confirmaram a sexualidade da personagem, mas nunca conseguiram torná-la oficial na tela. Durante o Pride Month de 2020, Cervone escreveu no Instagram: «Eu já disse isto antes, mas Velma em ‘Mystery Incorporated’ não é bi. Ela é gay. Nós sempre planeámos que Velma agisse um pouco fora da personagem quando ela estava namorando com o Shaggy porque esse relacionamento era errado para ela e ela tinha uma dificuldade tácita com o porquê. Há dicas sobre o porquê naquele episódio com a sereia, e se seguires todo o arco da história de Marcie, parece tão claro quanto poderíamos fazer há 10 anos. Eu não acho que Marcie e Velma tiveram tempo de agir de acordo com seus sentimentos durante a linha do tempo principal, mas após o reset, elas são um casal. Podes não gostar, mas essa era a nossa intenção».