Foi em 1975. A equipa do Fluminense desatou a comprar jogadores de encher o olho a um centauro: contratou Rivelino ao Corinthians, juntou-lhe o guarda-redes Félix, Marco Antônio e Paulo César Caju, que tinham lugar marcado na seleção do Brasil, e já tinha no grupo Carlos Alberto Torres, Dirceu, Edinho, Cléber e Cafuringa. Ganhou títulos. Inevitavelmente foi tricampeão brasileiro. O povão cantava nas bancadas das Laranjeiras ou do Maracanã: «Sou tricolor de coração/Sou do clube tantas vezes campeão/Fascina pela sua disciplina/O fluminense me domina/Eu tenho amor ao tricolor!» O presidente de todo este circo mediático chamava-se Francisco Horta. Queria fazer do Flu a melhor equipa do mundo. Então, encasquinou, que iria comprar o melhor jogador do mundo. Nesse caso era holandês: Hendrik Johannes Cruijff, nascido em Amesterdão, no dia 25 de abril de 1947. A imprensa internacional simplificara-lhe o nome e passara a ser somente Johan Cruyff.
A ideia de Horta germinou em Paris depois do convite feito ao Fluminense para disputar um, na altura, famoso quadrangular internacional. As três outras equipas eram o Paris Saint-Germain, o Sporting e o Valência. Recuperando a frase: Horta roubou a ideia de Daniel Hechter, uma figura da alta-costura parisiense que assumira a presidência do PSG e que ambicionava, à sua maneira, também ter a melhor equipa do universo. Aliás, nisto de ter a melhor das melhores equipas parece ser uma febre instalada de grandeza que só não infeta o meu Recreio Desportivo de Águeda. Daniel não comprou Johan, que estava amarrado por contrato ao Barcelona, mas foi capaz de o convencer (bem como aos dirigentes catalães) a pô-lo a fazer dois jogos com a camisola do Paris-Saint-Germain nesse torneio, o primeiro dos quais frente ao Sporting. Hechter e Cruyff davam-se bem, às vezes passavam férias juntos no iate do primeiro, ao largo das Baleares. Johan não teve lata para lhe cobrar o que na realidade achava que valia para entrar em campo vestido à PSG e, vai daí, combinou com o amigo que faria umas surtidas às suas lojas para ir refazendo o guarda-roupa com camisas e uma fatiota de quando em vez. Se não foi um dos melhores negócios do mundo, andou lá perto. Cruyff não era assim tão vaidoso quanto isso…
Estava portanto Francisco Horta em Paris, refastelado a ver o Paris Saint-Germain bater o Sporting por 3-1, com Cruyff a não precisar de se esforçar muito para, gesticulando, pôr o resto da equipa a fazer o que ele mandava, enquanto esperava pelo segundo jogo – Valência-Fluminense, até lhe assomar à face um sorriso quando conseguiu ver a imagem nítida do holandês com a camisola tricolor. Transformou-se numa ideia fixa. O Fluminense perdeu com o Valência e ganhou ao Sporting, ficando em terceiro lugar (ganharia o torneio no ano seguinte) e Horta tratou de arranjar maneira de chegar à fala com o jogador e impingir-lhe um projeto com muito de mirífico. Johan tinha um drible maravilhoso, quando fazia passar a bola por detrás do calcanhar, mas na maior parte dos assuntos que preenchiam a sua vida era essencialmente prático. A conversa de Francisco não o convenceu. Pelo contrário. Deixou-o desconfiado. Mas Horta não perdeu muito tempo a meter a boca no trombone: «Fiquei realmente entusiasmado com o seu futebol. Vou lhe oferecer trinta mil dólares para que faça três partidas pelo Fluminense no ano que vem. E tenho quase certeza que a proposta será aceite, pois as datas serão escolhidas com muita antecedência, para que não haja perigo de ter algum compromisso pelo Barcelona». A ser, seria o primeiro passo. Para onde? Só Deus, se se desse ao trabalho de existir, saberia a resposta.
Um ano mais tarde, Johan Cruyff desembarcou no Rio de Janeiro acompanhado pela mulher, pelos sogros, e por mais dois casais amigos. Seria tudo por conta de Francisco Horta. Os três jogos que iria disputar – dois no Rio e um em São Paulo – tinham o apoio financeiro da Air France e da Rede Globo. Com todo os extras pagos, Cruyff iria receber algo como 600 mil cruzeiros. Horta insistia: «Para já, consegui trazê-lo até ao Brasil. Para o ano termina o contrato com o Barcelona e as perspetivas são melhores». Mas um problema grave destruiu o seu sonho. Chamou-se Danny Coster e era a cara-metade do jogador holandês. Tal como o antropólogo Claude Lévi-Strauss da canção de Caetano Veloso, detestou a baía da Guanabara. Além disso, também detestou o hotel, detestou as favelas, detestou o trânsito, adorou a caipirinha e teve uma crise de rins. Cruyff jogou no Morumbi por uma seleção d estrangeiros contra uma de brasileiros e marcou um golo (1-1). Depois jogou no Maracanã e perdeu. Apanhou um avião e nunca mais voltou. «Vai meu irmão…»
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