“Se continuar sem faltar água, assobiamos todos para o lado”

“Temos as sirenes todas a apitar”, avisa Pedro Santos, agrónomo que integra o Observatório da Sustentabilidade da SEDES, pedindo aos cidadãos e aos governantes que prestem atenção às barragens.

Após dias de chuva persistente e, por vezes, forte, em especial no norte e no centro do país, o volume de afluências para as 79 barragens públicas nacionais (em 80) monitorizadas traduziu-se num acréscimo de somente 0,93%, ou seja, 124 hectómetros cúbicos (hm3). A capacidade total de armazenamento na rede pública de barragens é de 13 283 hm3.

Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), “a 21 de novembro de 2022 e comparativamente ao boletim anterior (de 14 de novembro de 2022) verificou-se o aumento do volume armazenado em 7 bacias hidrográficas e a diminuição em 7”, sendo que “das albufeiras monitorizadas, 27% apresenta disponibilidades hídricas superiores a 80% do volume total e 35% têm disponibilidades inferiores a 40% do volume total”. Por outro lado, sabe-se que os armazenamentos na terceira semana de novembro, por bacia hidrográfica, são inferiores às médias de armazenamento do mês de novembro (1990/91 a 2021/22), exceto para as bacias do Lima, Ave, Douro, Vouga e Mondego.

No que diz respeito às bacias consideradas “mais críticas”, as Ribeiras do Barlavento desceram 0,02%, Mira desceu 0,1%, as Ribeiras do Sotavento desceram 0,3%, o Tejo subiu 2,3%, Cávado/Rib.Costeiras subiu 3,2%, o Sado desceu 0,1% e o Guadiana desceu 0,6%. Nas bacias do Lima, do Cávado/Ribeiras Costeiras, do Ave e do Douro, as albufeiras em situação mais crítica face às médias de há 32 e 31 anos e de há um ano são Vilar-Tabuaço (39% de percentagem média de enchimento face à média do mês de novembro antes e 19% agora), Alijó (69% antes e 20% agora), Alto Rabagão (55% antes e 26% agora), Paradela (46% antes e 43% agora), Varosa (46% antes e 64% agora) e Azibo (79% antes e 68% agora).

Nas bacias do Vouga e do Mondego, as seis albufeiras mais críticas face às médias de 1990/91 e 2021/22 são Fronhas (47% de percentagem média de enchimento face à média do mês de novembro antes, 58% agora), Lagoacho (43% antes, 62% agora), Vale do Rossim (41% antes e 69% agora), Caldeirão (55% antes e 67% agora), Aguieira (70% antes e 72% agora) e Fagilde (48% antes e 76% agora), sendo este o único exemplo que contraria o panorama atual.

Nas bacias do Tejo e das Ribeiras do Oeste, as albufeiras mais críticas são Divôr (45% de percentagem média de enchimento face à média do mês de novembro antes, 17% agora), Maranhão (53% antes, 19% agora) Minutos (61% antes, 24% agora), Magos (58% antes, 28% agora), Montargil (65% antes, 36% agora) e Póvoa (percentagens iguais: 39%).

Nas bacias do Sado, das Ribeiras do Alentejo, do Mira e do Guadiana, as albufeiras mais críticas são Campilhas (34% de percentagem média de enchimento face à média do mês de novembro antes, 3% agora), Monte da Rocha (41% antes, 8% agora), Abrilongo (40% antes, 11% agora), Vigia (42% antes, 15% agora), Vale do Gaio (44% antes, 20% agora) e Beliche (56% antes, 23% agora).

Por fim, nas bacias do Arade, das Ribeiras do Barlavento e das Ribeiras do Sotavento, as mais críticas são Bravura (58% de percentagem média de enchimento face à média do mês de novembro antes, 9% agora) Beliche (56% antes e 23% agora), Arade (30% antes e 25% agora), Odeleite (67% antes e 30% agora), Odelouca (53% antes e 31% agora) e Funcho (49% antes e 58% agora).

 

“É possível compatibilizar coisas que aparentemente são contrárias”

“O problema da água não pode ser visto de um prisma absolutamente conjuntural mas sim estrutural. Este ano tivemos problemas de escassez de água, mas é cíclico e os avisos relativamente à mesma – atenção, temos o mesmo regime volumétrico de países como França, por exemplo, mas a chuva cai muito mais concentrada cá do que nos outros países – não são novos”, explica Pedro Santos, do observatório da Sustentabilidade da SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social – e diretor-geral de uma empresa de consultoria no setor agrícola, a Consulai.

“Olhar para o tema como está neste momento é efémero. Se passar um mês a chover transitamos para um volume armazenado em média como o de outros meses e chegamos ao final de 2022 com valores relativamente estáveis. Mas o facto é que temos as sirenes todas a apitar a dizer que temos menos períodos de chuva, problemas até para o abastecimento humano e, portanto, temos de olhar para a água sem ideologia”, continua o professor no ISEG e agrónomo de profissão. “Que é o que tem acontecido. A nossa sobrevivência depende disto. Verdadeiramente, não nos falta água. Parece absurdo, mas a verdade é que não nos falta água porque o problema é que não armazenamos. Há quem defenda que as barragens têm impacto ambiental e que não são uma solução, mas na bacia do Tejo temos uma capacidade de armazenagem de 20% da capacidade de escorrência daquela bacia”, diz, realçando que “não faz sentido desperdicar 80% a correr para o mar. No Douro é de 7%, no Lima é de 12%, no Mondego é de 11% e, portanto, andamos assim e parece que estamos contentes”.

“Os espanhóis fecham a torneira e são uns malandros?”, questiona. “Não fazemos os trabalhos de casa. Devemos garantir o armazenamento de água. Hoje em dia, não há ninguém que defenda uma barragem sem a minimização dos impactos ambientais. Vejo o interesse do país e não o interesse da agricultura. Tudo deve ser estudado e se houver uma decisão de investimento que seja a ver com isto e não acerca de outro aeroporto. A dessalinização parece interessante, mas a verdade é que temos de investir em tudo. A autoestrada do Norte para o Sul… Há que estudar e não negar logo à partida porque ideologicamente somos contra. O que deve ser feito é analisar a sério”.

“Se continuar sem faltar água, assobiamos todos para o lado este ano, no próximo e por aí fora. Temos de tomar medidas rapidamente e bem tomadas. Do ponto de vista da agricultura, a rega, o regadio e a existência de água são essenciais. Hoje em dia, só temos 14,1 ou 14,2% da área agrícola regada em Portugal, o que é muito baixo”, adianta Pedro Santos.

“Estamos a falar de algo que não chega a 600 mil hectares dentro de um universo de mais de 3 milhões. Passar de sequeiro para regadio é sempre um excelente investimento. Portanto, o que me faz confusão é continuarmos a fingir que não vemos o que se passa. E parece que as coisas só se resolvem quando já não há nada a fazer”, desabafa. “Vamos pensar a sério, temos o PRR, um instrumento que podemos usar. Corremos o risco de nem sequer executarmos o pouco que lá está para o regadio”.

 “Isto é tão importante como a melhoria da nossa capacidade de educação ou de vida. As conversas parecem mortas à partida com fanatismos. Há muitos estudos, dados, conhecimento. A construção das barragens não é a mesma coisa que há 50 e 60 anos e, portanto, é possível compatibilizar coisas que aparentemente são contrárias”, conclui.