Há uma série de teorias sobre o momento exato em que nasceu James Figg. Nem sequer vale a pena entrarmos nos pormenores de dia e de mês. É escusado. Nem escreveria mais uma linha. Deixemos as coisas como estão, ou seja, como surgem nas suas biografias: antes de 1700. Como bateu as botas e foi parar à Quinta das Tabuletas no dia 8 de dezembro de 1734, cumpriram-se na última quinta-feira 288 anos, não terá vivido muito mais do que 35 ou 36 anos, se tivermos em conta que a tal oficial data de before 1700 não vai parar lá para as calendas. Pelo que contam dele muitos que o conheceram pessoalmente e deixaram testemunhos escritos sobre a sua personalidade e sobre a sua idiossincrasia parece que só estava feliz a arranjar chatices, fosse com quem fosse. Acrescente-se que estes testemunhos não são propriamente da infância de James e sim já da sua fase de jovem adulto quando largou a terriola onde nasceu, Thame, no Oxfordshire, conhecida pelo seu mercado e por ter sido um lugar onde se instalaram, durante várias décadas, um grupo de monges de Cister. Como se percebe pelo nome, Thame fica nas margens do Thames, que nós em Portugal batizámos de Tamisa, algo que me recorda as extraordinárias crónicas do meu mestre Carlos Pinhão durante o Mundial de 1966, Londres sem Tamisa, uma blague a esses ministros plenipotenciários do humor que foram Gervásio Lobato (Lisboa em Camisa) e Armando Ferreira (Lisboa sem Camisa).
Figg teve sempre camisas, estava longe de ser pobretanas, mas gostava de subir para os ringues sem ela, de peito feito, logo ele que tinha uma daquelas peitaças de apavorar hipopótamos. Claro que, após deixar Thame, o seu destino só poderia ser um, Londres, essa cloaca onde iam desaguar todos os deserdados do Império. Limitou-se a descer o rio em direção à foz e pôs-se lá num instante. Mais uma vez não conseguimos saber com que idade é que James surgiu na capital mas há registos de que em 1719 já tinha posto a funcionar uma sala de espetáculos preparada para receber qualquer coisa como mil pessoas. Os espetáculos não eram variados por aí além. Resumiam-se basicamente a combates de luta livre ou de troca de socos a mãos nuas. Boxe? Sim, o boxe desse tempo. Percebeu-se logo que Figg não era nenhum pascácio, embora tivesse vindo de uma terra de saloios vendedores de couves e de batatas. Num abrir e piscar de olhos começou a boiar em dinheiro. E não teve dúvidas do que queria fazer com ele.
Avancemos até 1725. Quase tenho vontade de escrever que James Figg andaria pelos seus 25 anos, mas não vou correr esse risco. Vendo bem, que se lixe. A idade não é fundamental para o episódio em causa, mas há que supor que tinha uma idade consistente com o dia a dia de alguém que se predispunha a andar à porrada sempre que fosse necessário, E no caso até era. Um belo dia acordou com uma ideia encasquinada na cabeça e não houve quem o impedisse de atrair uma multidão muito razoável para aquele que terá sido, segundo os historiadores, o primeiro campeonato de boxe da História da Humanidade. É de estalo!, diria o bom do Alencar, do divino Eça. E foi mesmo! A sala enchia-se de gente excitadíssima para ver dois fulanos a tentarem rebentar com as fuças um do outro, delirava com o sangue que espichava dos narizes e dos sobrolhos dos combatentes, delirava quando um deles caía de borco para não se levantar mais, urrava de alegria incontida e de raiva aliviada perante o vencedor e, frequentemente, carregava-o em ombros até ao pub mais próximo onde todos escorropicham pints de cerveja até ao sol nascer e a maioria nem sequer se lembrar do caminho de regresso a casa.
Figg era um tipo britanicamente orgulhoso, mesmo que corra o risco de entrar aqui numa aliteração. Não lhe bastava ser o responsável pelo primeiro autêntico ringue de boxe que alguma vez surgiu na Grande Ilha que Fica para lá da Mancha. Afinal, Deus, na sua infinita generosidade, dera-lhe aquele físico para quê? Narcísico odiava tudo o que não era espelho, como cantaria o Caetano Veloso. Tirava a camisa como quem despe uma real capa de seda persa, untava os bíceps e os peitorais com óleo de baleia azul, estalava os nós dos dedos, e subia àquela espécie de altar no qual a multidão o deveria adorar como se fosse a reencarnação de Hércules, o filho bastardo de Zeus parido por Alcmena, filha do rei de Argos. Em seguida odiava todos os que tinham o atrevimento de combaterem contra ele e esmurrava-os sem dó nem piedade até os deixar esparramados no ringue como um feixe de carne e ossos que tivessem passado por uma trituradora. Assumiu-se como o primeiro campeão do mundo de boxe e postumamente reconheceram-lhe o título.
Afirmou que tinha vencido mais de 200 adversários. Mas vá lá acreditar-se num mamífero que nem sabe ao certo quando nasceu…