Quando pensamos em prisões, é natural que, na nossa mente, surjam imagens de um ambiente hostil, frio e violento, sem espaço para conquistas. Pensamos em assassinos, traficantes de droga, violadores ou pedófilos, esquecendo, muitas vezes, que, no meio de tantas cabeças, possam existir grandes nomes que, de uma vida luxuosa e prestigiada, passaram a ser tratados como qualquer outro dos comuns dos mortais – por mais que nessas situações seja natural a “fácil” obtenção de proteção dentro dos estabelecimentos prisionais através de pagamentos.
Por norma, nessas situações, os crimes cometidos estão relacionados por fugas fiscais, ocultação de bens ou falta de pagamentos de dívidas. E, ao longo dos anos, têm sido cada vez mais os casos conhecidos – um dos mais famosos e recentes tem como figura central o ex-craque de ténis, Boris Becker, preso naquela que é considerada uma das prisões mais perigosas de Inglaterra, que nem por isso fez com que o também comentador televisivo perdesse a fama e o prestígio.
Oito meses depois de ter sido condenado a uma pena de dois anos e meio por ocultar fundos e bens para fugir ao fisco e não pagar dívidas após ter declarado bancarrota, o alemão e antigo tenista, atualmente com 55 anos, será libertado e transportado num jato privado, segundo avançou o jornal The Sun.
Beckham será deportado num jato privado que foi pago por uma estação de televisão alemã que lhe terá oferecido um contrato avultado para este relatar o seu quotidiano na prisão HM Prison Wandsworth (mesma prisão onde Oscar Wilde ficou detido em 1895, por homossexualidade) – acredita-se que a estação lhe pagou uma quantia de seis dígitos pela sua história na prisão.
Além disso, segundo o jornal britânico, a libertação de Becker acontecerá ao abrigo de um programa que visa “desocupar os estabelecimentos prisionais britânicos através da deportação de detidos estrangeiros” e “impedirá o alemão de regressar à sua casa em Londres, durante os próximos anos”.
O seis vezes campeão de torneios do Grand Slam está, por isso, de regresso à Alemanha sob um esquema que permite que “qualquer cidadão estrangeiro que cumpre uma sentença fixa que seja passível de remoção do Reino Unido, seja removido da prisão e deportado até 12 meses antes da sua primeira libertação numa tentativa de aliviar as pressões sobre as prisões britânicas”.
“O Ministério do Interior libertou 1 136 infratores estrangeiros do seu programa de remoção antecipada no ano passado”, adianta a mesma publicação, que acrescenta que, embora more na Grã-Bretanha desde 2012, Becker era “elegível para o esquema porque não possuía cidadania britânica”.
Os crimes
Becker tinha negado ter infringido as leis de insolvência do Reino Unido após ter declarado bancarrota, em 2017, devendo aos credores quase 50 milhões de libras (aproximadamente 60 milhões de euros).
De acordo com a BBC, o ex-tenista foi considerado culpado de quatro acusações pela justiça britânica ao abrigo da Lei da Insolvência e declarado inocente de outras 20. Beckham foi considerado culpado de ocultar ou transferir ilicitamente centenas de milhares de euros e libras para não pagar as dívidas que tinha após ter sido declarado insolvente: transferiu centenas de milhares de uma conta profissional para outras contas (incluindo cerca de 465 mil euros para as ex-mulheres), não declarou vários bens na Alemanha e ocultou ainda um empréstimo de 825 mil euros, assim como as ações que detinha numa empresa. Além disso, usava a conta profissional para pagar coisas do dia-a-dia, gastos pessoais e despesas escolares dos filhos.
Logo após a notícia do seu regresso à Alemanha, a sua mãe Elvira Becker, afirmou ao The Sun que esse “é o melhor presente de Natal que poderia esperar este ano”. A senhora de 87 anos, diz estar ansiosa para o reencontro que acontecerá ainda antes da consoada de Natal: “Este é o melhor presente de Natal que eu poderia pedir – mal posso esperar para ter o meu amado filho nos meus braços”, disse.
Um amigo da família do tricampeão de Wimbledon acrescentou: “A Elvira está simplesmente radiante por ele estar de volta a casa. Para ela, tê-lo fora da prisão e de volta para casa é a melhor coisa que se poderia imaginar! E, se isso acontecer a tempo do Natal, será ótimo para ela”. Segundo a mesma fonte, Elvira estava preocupada com o tempo que demoraria a ver novamente o seu filho, “devido à sua idade”.
Em setembro, já havia admitido a sua tristeza pela distância do filho e revelou que este lhe ligou apenas uma vez desde que foi preso. Ao The Sun, a senhora – que em abril implorou ao juiz que não prendesse o seu filho – lamentou que só sabia de Boris pelas notícias e através da sua namorada Lilian de Carvalho.
Na altura, Elvira explicava que estava muito “frágil” para viajar até à Grã-Bretanha para visitar o tricampeão alemão. “Já não posso voar para ir ver o Boris, não posso visitá-lo na prisão. Estou triste, mas não há nada a fazer (…) Ele só me ligou uma vez desde que foi preso. Foi no Dia da Mãe. Disse que estava tudo bem, para eu não me preocupar com ele”, detalhou.
Segundo a BBC, várias fontes dizem que Becker planeia agora estabelecer-se em Frankfurt, perto da sua mãe, e espera “recuperar a sua posição pessoal e profissional o mais rapidamente possível”. Porém, não terá permissão para voltar ao Reino Unido, o que significa que os seus filhos terão de se deslocar até à Alemanha sempre que quiserem estar consigo. O ex-tenista tem quatro filhos de três relacionamentos – Noah, de 27 anos, e Elias, de 22, Anna, de 21, e Amadeus, de 11.
Uma prisão dura
A HMP Wandsworth Prison, mais conhecida como ‘Wanno’, e que está ironicamente localizada a apenas 3,2 quilómetros do All England Club, que hospeda o torneio de Wimbledon que Boris venceu três vezes, em 1985, 1986 e 1989, foi descrita em maio pelo Daily Mail como estando “em ruínas, sobrelotada e infestada de ratos”: “Uma prisão miserável, a abarrotar com mais de 1 300 prisioneiros, descrita habitualmente como uma das piores do Reino Unido”, lê-se na publicação do diário britânico, que acrescenta que a violência é um problema comum, tendo sido registado, em 2020/21, quase um ataque por dia.
Ao mesmo jornal, na altura, o cineasta Chris Atkins, que foi condenado em 2012 e cumpriu pena em Wandsworth, descreveu o que viveu durante o tempo que esteve preso: “As pessoas gritam, batem nas celas, riem, choram, discutem, lutam, uivam, grunhem… é como se alguém tivesse feito o ‘download’ de todos os efeitos sonoros e os estivesse a usar de uma só vez”.
Pela sua experiência, “a ala de receção parece ter sido reformada pela última vez em 1895, quando Oscar Wilde esteve preso por homossexualidade”: “A maioria dos prisioneiros parecem ou doentes mentais, ou ressecados por drogas, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Wandsworth é uma prisão muito violenta, mas se tu te mantiveres de cabeça baixa e não te envolveres com drogas, dívidas e toda a política da prisão, não é assim tão perigosa”, frisou.
Ainda segundo o Daily Mail, um relatório do Inspetor Chefe de prisões, Charlie Taylor, contou que Wandsworth está “arruinada pelo consumo de droga e por problemas de saúde mental, onde os presos, desesperadamente entediados, passam mais de 22 horas por dia em celas em ruínas”.
Famoso entre reclusos
Mas ao que parece, contra todas essas adversidades, o antigo tenista – que conquistou ao longo da carreira seis títulos do Grand Slam, uma medalha de ouro olímpica em Barcelona, em 1992, e que mais recentemente foi treinador de Novak Djokovic, diretor técnico na federação alemã de ténis e comentador televisivo –, também fez sucesso entre as grades.
Em outubro, o jornal Bild noticiava que, à medida que ia perdendo peso, Beckham ia ganhando cada vez mais amigos na prisão do Reino Unido. De acordo com o jornal alemão, uma fonte próxima ao ex-desportista disse que este treinava regularmente no “ginásio” do estabelecimento prisional – que inclui uma parede de escalada, um campo de relva sintética e uma sala de treino –, e que conseguiu abandonar o álcool, que é proibido. Segundo a mesma fonte, nessa altura, Boris havia perdido cerca de oito quilos.
Além de treinar, o antigo tenista ajudava os colegas, aproveitando a sua experiência profissional. Segundo a fonte, este auxiliava cerca de 45 colegas na preparação física e nutrição.
Para ajudar a manter o equilíbrio emocional, Becker também estaria a ensinar outros reclusos a praticar yoga e meditação: “Como desportista, ele conhece muito bem os altos e baixos das vitórias e derrotas. Por isso, está a partilhar a sua experiência de vida com os seus companheiros de prisão”, contou ainda ao jornal alemão.
Segundo o The Sun, pouco tempo depois de ter sido preso, o antigo tenista também se tornou professor de Filosofia da Grécia Antiga que “encoraja os seguidores a viver virtuosamente para ajudar a suportar os infortúnios da vida”.
Citando uma fonte do HMP Huntercombe, o tabloide escreveu: “Boris passou do mega estrelato a um presidiário falido no espaço de alguns anos. É uma queda notável de desgraça… Ele foi forçado a examinar quase tudo sobre si próprio. É a pessoa perfeita para ensinar este curso!”.
“O meu cliente, Boris Becker, continua a sair-se bem diante das circunstâncias e integrou-se construtivamente à vida cotidiana da prisão. É capaz de telefonar quando quiser e comunicar com o mundo exterior. Quaisquer detalhes adicionais sobre a sua permanência na prisão estão sujeitos a leis de privacidade pessoal protegidas”, afirmou o seu advogado, Oliver Moser, na época ao Bild.
Diz-se que o “trabalho” de Becker fez parte de um programa de bónus dentro da prisão – quanto mais os presos se envolvem no seu funcionamento, mais positivo é para as suas sentenças.
O reerguer da carreira
Apesar de ainda não ter regressado à Alemanha, já se ouvem rumores sobre a maneira como o ex-atleta planeia reerguer-se.
Segundo o Daily Express, Boris Becker já está a tentar envolver-se em novos projetos. O ex-tenista procura agora ganhar dinheiro escrevendo um livro. Além disso, há relatos que este participará numa entrevista exclusiva na mesma estação televisiva de Munique que pagará para que este volte para casa no jato particular.
Porém, tal como escreve o jornal alemão, provavelmente “qualquer dinheiro ganho com os seus novos empreendimentos não será mantido pelo próprio, como parte do seu acordo de insolvência”: “O Tribunal Distrital de Heidelberg ordenou que o processo de insolvência também se aplicasse à Alemanha”, disse o advogado especializado Hans Georg Fritsche ao Bild. “Isso significa que a renda que o Sr. Becker gera na Alemanha vai para o dinheiro falido. Por outras palavras, ele não pode ficar com a maior parte”, esclareceu.
E as propostas parecem não faltar. Becker já recebeu uma oferta de emprego da Federação Alemã de Ténis. Anteriormente o vice-presidente da Deutscher Tennis Bund, Dirk Hordorff, já havia afirmado que as portas da Federação para a qual trabalhou, estariam sempre abertas: “As portas da DTB para o Boris Becker estão sempre abertas. Se ele já cumpriu a pena, nada o impede de assumir novamente a função. Posso imaginar Boris como chefe do ténis masculino, representante, na presidência ou no que for. Para ser franco, ele pode escolher o trabalho”, garantiu.
Da mesma forma, segundo fontes próximas do ex-atleta, o ex-empresário do alemão, o romeno Ion Tiriac, quer ajudar Boris a reerguer-se: “Ele escreveu uma carta comovente para o Boris logo depois de ele ter sido preso , dizendo-lhe para manter a cabeça erguida. Eles continuam amigos muito próximos e se Ion puder apoiá-lo, ele o fará. Boris vai precisar de toda a ajuda que conseguir”, revelou.
Portugal vs Reino Unido
Segundo o fiscalista Tiago Caiado Guerreiro, estas situações são muito diferentes do Reino Unido para Portugal. “Os crimes fiscais em Portugal são crimes que resultam normalmente de fraude fiscal ou de abuso de confiança, isto é, o não pagamento de impostos diretos sobre as pessoas ou empresas, ou de IVA que não é entregue ao Estado. Estes são os casos mais comuns”, explicou ao i. No que toca às penas, de acordo com o especialista, estas poderão ir até oito anos de prisão. Nos casos mais simples as penas vão até cinco anos. “Os outros países normalmente não têm penas tão agravadas”, acrescentou, referindo-se, em particular, ao Reino Unido.
Neste caso, revela, o bom comportamento, a liquidação dos montantes em falta, ou por haver um acordo com o outro país, pode levar à libertação dos reclusos. “Aqui, provavelmente haverá um acordo com a Alemanha. Os países adoram enviá-los para outro lado. Uma pessoa presa é sempre um custo”, adiantou.
Interrogado sobre o meio de transporte com o qual Becker será transportado para a Alemanha, o fiscalista explica que “essa não é sequer uma questão”: “É natural que haja uma estação de televisão a financiar o transporte. O Boris Becker era super conhecido. Há uma data de gente interessada em conhecer a sua história… Ainda faz uma fortuna depois de ter sido preso e endireita as suas finanças”, acredita Tiago Caiado Guerreiro.