Bento XVI está doente…

O que sabemos, mesmo, é que Bento XVI permanecerá no espírito da Igreja para as próximas décadas e as mudanças silenciosas que operou na Igreja Católica não se poderão apagar.

Bastou um pedido do Papa Francisco para rezarmos pelo Papa Bento XVI para que os média se inflamassem e esperassem o desfecho final de um homem que não desejando grandes coisas, terá sido um dos maiores Papas dos últimos quinhentos anos e, talvez, uma das maiores personalidades do século XX e do século XXI. 

Morrerá em breve? Agora? Hoje? Amanhã? Não sabemos!

O que sabemos, mesmo, é que Bento XVI permanecerá no espírito da Igreja para as próximas décadas e as mudanças silenciosas que operou na Igreja Católica não se poderão apagar.

De facto, Bento XVI foi o primeiro Papa moderno da história da Igreja. Porquê? Só poderemos responder a esta pergunta se compreendermos alguns vetores do pensamento moderno. Uma das características do pensamento moderno está na autonomia do pensamento humano em relação ao pensamento religioso e, ao mesmo tempo, a autonomia da decisão individual face à autoridade religiosa e civil. 

Bento XVI, ao contrário do que muitos dizem, não amordaçou a Igreja, mas abriu-a às diferentes sensibilidades individuais. Na realidade, hoje falamos de sinodalidade, colocando o governo e as decisões da própria Igreja na comunidade dos fiéis, mas com Bento XVI existia já uma abertura à escolha individual que não se vive, por exemplo, hoje na Igreja e no mundo.

Pensemos, por exemplo, que Bento XVI procurou abrir a Igreja para uma certa ala mais progressista, dando autonomia a todos os que da Igreja Anglicana quisessem entrar em comunhão com os Católicos, sem deixar as suas tradições. Neste ponto muito concreto, por exemplo, a todos os membros desta realidade deu a possibilidade que os homens casados fossem ordenados padres. 

Quem diria? Bento XVI que é, por muitos, considerado conservador, abriu a possibilidade, no século XXI, a que homens casados fossem ordenados padres!

Também a todos os que procura a beleza da tradição da Igreja, deu Bento XVI a possibilidade de se organizarem, de igual forma, em fraternidades, concedendo a todos os membros da Igreja Católica uma maior possibilidade cultural e cultual. 

Desta forma, Bento XVI acolheu na Igreja Católicos homens e mulheres de diferentes sensibilidades e culturas e abriu no pensamento católico uma capacidade de acolher a diferença que não existe hoje na Igreja. 

Bento XVI foi, por isso, um Papa moderno, capaz de acolher a multiculturalidade dentro e fora da Igreja, que não procurou impor o seu pensamento a quem quer seja, mas, apenas, entrar num diálogo construtivo com o pensamento contemporâneo. Foi, então, um Papa tão moderno que chegou ao ponto de renunciar ao próprio poder que lhe fora concedido pelos eminentíssimos cardeais e, portanto, pela própria Igreja. 

Na realidade, o Papa Bento XVI deixa-nos uma saudade de uma segurança doutrinária e de uma capacidade de dialogar com o mundo que é, na minha opinião, ímpar. 

Era um homem controverso? Sim! Quiseram-lhe cortar a cabeça e as mãos e os pés? Sim! Fez sofrer a Igreja? Sim! Mas a segurança que nos dava a todos na Igreja era de uma disponibilidade de um pai que se atira aos lobos para salvar os filhos. 

Um dos diálogos mais nobres de Bento XVI deu-se quando ainda era Joseph Ratzinger com o filósofo Jürgen Habermas. Curiosamente, na sua última obra, com dois volumes, sobre a história da filosofia, Habermas abre um pouco mais o seu pensamento à capacidade do pensamento religioso no debate público e capaz de uma verdadeira translation proviso. Outro discurso que considero de uma inteligência enorme e que incendiou o mundo islâmico injustamente foi aquele proferido na Universidade de Ratisbona onde fora professor. 

Bento XVI será, seguramente, um dos mais pensadores do século XXI, que só daqui a alguns séculos teremos capacidade de reconhecer o seu mérito!