Pink Floyd. 50 anos do lado mais negro da lua

Dark Side of the Moon é por muitos considerado um dos mais importantes discos de sempre, mas os Pink Floyd tiveram que começar por rebatizar a obra com o título de Eclipse. 

Primeiro, o silêncio é cortado por uma batida muito semelhante ao batimento de um coração, depois, ouvimos os ponteiros de um relógio, uma voz impercetível começa a entrar, anunciando que “sempre foi louco” (durante muitos anos), ao mesmo tempo surge o som de uma máquina registadora, uns risos e, por fim, uns gritos histéricos.

Depois desta cacofónica introdução, também conhecida como Speak to Me, somos introduzidos a um calmo acorde de guitarra e a gentis melodias, criando um ambiente sereno e contemplativo, até que David Gilmour nos dá uma ordem: “Respira, respira para o ar”.

Esta é a icónica e inconfundível introdução de Dark Side of the Moon, considerado por muitos a obra-prima da banda inglesa, Pink Floyd, um álbum que transcende o seu estilo de rock progressivo e psicadélico para ser considerado um dos melhores e mais influentes de todos os tempos, e que, no próximo dia 1 de março, celebra o seu 50º aniversário. 
“Geniais, universais e únicos”, descreveu ao i José Cid, autor do aclamado 10.000 Anos depois entre Vénus e Marte, um dos principais álbuns de rock progressivo português, acrescentando ainda que é um “atentado à falta de inspiração do pelotão que lhes seguiu”.

Apesar de considerar que este não foi o disco dos Pink Floyd que mais o inspirou, deixando essa distinção para Ummagumma e Atom Heart Mother, Manuel Cardoso, fundador dos Tantra, grupo pioneiro do rock progressivo em Portugal, revela ao i que, depois de alguns discos que lhe fizeram perder a atenção dos britânicos, Dark Side of the Moon voltou a captar a sua atenção.

“É um dos melhores álbuns deles”, elogiou, “lembro-me, das primeiras vezes que ouvi, de sentir que não eram os Pink Floyd do início. Era uma abordagem totalmente diferente”, explicou.

“Foi uma viragem do conceito e da forma como eles faziam música, romperam um pouco com a música pesada e ambiental que tinham nas obras anteriores e ficou um álbum com uma composição mais aberta, mais espiritual e mais leve que acabou por inspirar os trabalhos seguintes”, disse.

Já José F Castro, membro fundador dos igualmente influentes Petrus Castrus, recordou ao i com grande carinho as primeiras vezes que ouviu este álbum. “Ouvimos inúmeras vezes o ritmo quebrado do Money, e lembro-me bem do Great Gig in the Sky. Nessa altura (1973) estudávamos em Lausana. A fantástica qualidade sonora do álbum – muito típica dos Pink Floyd – era inantingível em qualquer estúdio português da época”, afirmou.

O oitavo disco da banda chegou em 1973, onde, apesar desta época ser dominada por bandas como os Led Zeppelin ou os Deep Purple, conhecidos pelo seu rock direto e duro, optou por incorporar melodias sensíveis e abordar temas complexos como doenças mentais, a ganância, a passagem do tempo ou a moralidade humana.  

Apesar de parecer uma proposta pouco apelativa e demasiado ambiciosa, este ainda é um dos discos mais bem-sucedidos em termos comerciais de sempre, sendo, nomeadamente, o quarto álbum mais vendido na história da música, com 45 milhões de unidades adquiridas por fãs de todo o mundo, apenas superado pelo Thriller de Michael Jackson, Back in Black dos AC/DC ou a banda sonora do filme The Bodyguard interpretada por Whitney Houston.
Mas como conseguiram os britânicos criar esta equilibrada e complexa mistura de sucesso comercial e crítico? Para chegarmos à resposta temos de nos transportar para um local lendário e de onde saíram tantas obras mágicas: os estúdios de Abbey Road.

Uma visão direta e ambiciosa Antes de chegar ao Dark Side of the Moon, os Pink Floyd estavam numa encruzilhada. Depois de um grande sucesso inicial, motivado pela irreverência criativa do seu líder original, Syd Barrett, que abandonou a banda devido ao consumo excessivo de substâncias psicadélicas que lhe provocaram doenças mentais, lançaram diversos álbuns marcados por um som mais experimental e ambiental.

Apesar de serem aclamados pelas suas mais ambiciosas composições, como a majestosa Echoes, faixa de 23 minutos do disco Meddle (1971), ou Atom Heart Mother Suite, música com a mesma duração do disco com o mesmo nome (facilmente reconhecido pela fotografia de Lulubelle III, uma vaca Holstein-Frísia), ainda não tinham conseguido alcançar o mesmo tipo de sucesso ou aclamação dos  seus pares, nomeadamente, bandas como Genesis ou Yes.

Após o lançamento de Meddle, os Pink Floyd tinham uma tour agendada que os levaria a viajar pelo Reino Unido, Japão e Estados Unidos.

Contudo, antes de partirem, os quatro membros da banda, Gilmour, Roger Waters (baixista), Richard Wright (teclista) e Nick Mason (baterista), reuniram-se e o baixista lançou uma ideia: ao longo destes concertos, iriam preparar o seu próximo disco, cujo tema central seria “coisas que fazem as pessoas enlouquecer”, um assunto inspirado pelo estilo de vida do conjunto e as pressões que cada membro sentem em relação à vida moderna.

Com este conceito delineado, aos poucos, enquanto experimentavam as músicas ao vivo, as composições foram-se tornando menos longas, menos expostas à improvisação, cada vez mais aperfeiçoadas e com as arestas mais limadas. 

O grupo entrou em estúdio, em 1972, com Roger Waters a assumir o papel de principal “diretor criativo” do projeto. Insatisfeito com a forma como as letras de músicas anteriores eram demasiado “indiretas”, decidiu que, neste disco”, estas seriam muito “claras” e “específicas”.

“O Roger tentou, definitivamente, que as suas letras fossem muito simples, diretas e fáceis de entender”, disse Gilmour numa entrevista, citada pelo blog Louder Than Sound. “Em parte porque as pessoas leem coisas nas nossas letras que não estavam lá”.

É por isso mesmo que algumas faixas tem títulos simples e diretos, como Time ou Money, e expressam versos fáceis de interpretar: “Money, it’s a crime / Share it fairly, but don’t take a slice of my pie”, uma referência jocosa à ganância.
Antes de batalhas de ego criarem as divergências no grupo que resultaram na saída de Waters da banda, os Pink Floyd trabalhavam como uma máquina bem oleada e fluída, o que resultou num produto final coeso onde cada música efetua uma transição lógica e natural para a faixa seguinte.

“Eu era definitivamente menos controlador em comparação ao que iria acontecer mais tarde”, revelou Waters, citado no mesmo artigo. “Estávamos a trabalhar de uma forma bastante coesa. O David cantou a Breathe muito melhor do que eu alguma vez poderia. A sua voz combinava com a música. Não me lembro de nenhum problema de ego sobre quem cantava o quê naquele momento. Havia um equilíbrio”, afirmou.

Havia, no entanto, um problema, desde o princípio da gravação do projeto, a banda pretendia que o título deste álbum fosse Dark Side of the Moon, uma expressão que representava a loucura, contudo, a banda de hard rock Medicine Head venceu os Floyd nesta corrida e lançaram um disco com o mesmo nome em 1972, o que obrigou a banda a rebatizar o projeto como Eclipse.

“Não ficámos aborrecidos com o Medicine Head”, disse Gilmour à revista Sounds, citado pela Rolling Stone. “Ficámos aborrecidos porque já tínhamos pensado no título antes do lançamento do álbum Medicine Head”.

Contudo, uma vez que o álbum dos Medicine Head rapidamente caiu na “obscuridade”, os Pink Floyd voltaram à ideia original do título que ilustrava este icónico disco.

Dark Side of the Moon, para além da magistral interpretação dos quatro membros do grupo, conta com diversos convidados que tornam esta peça uma obra mais interessante, como o saxofonista Dick Parry, que surge em faixas como Us and Them e Money, ou a impressionante performance vocal de Clare Torry em The Great Gig in the Sky, mas quem quase fez parte deste disco foram as lendas musicais Paul e Linda McCartney.

Antes de concluir as gravações dos discos, Waters teve a ideia de entrevistar diversas pessoas que trabalhavam no estúdio da Abbey Road e usar estes sons no álbum e acabou por entrevistar o ex-Beatle e a sua ex-mulher, que estavam a gravar Red Rose Speedway, segundo álbum dos Wings.

Mas a contribuição do homem que deu voz a Hey Jude acabou por não entrar no disco, uma vez que a sua atitude irritou Waters. 

“Ele foi a única pessoa que achou necessário estar a representar, o que era inútil, claro”, disse o baixista ao seu biografo John Harris. “Ele estava a tentar ser engraçado, o que não era o que queríamos”.

Apesar da aparição de zero Beatles no disco, Dark Side of the Moon tornou-se um sucesso esmagador na discografia da banda e, 50 anos depois, continua a ser celebrado e considerado um dos mais importantes discos de sempre, surgindo em diversas listas de melhores discos de sempre, como a da Rolling Stone, que o colocou na 51ª posição em 500 discos, em 2012, ou do Guardian, que o considerou o 37º melhor disco de sempre, em 1997, e foi preservado, em 2013, pelo Registro Nacional de Gravações dos Estados Unidos na Biblioteca do Congresso por ser considerado “culturalmente, historicamente e esteticamente significante”.

O 50º aniversário e a polémica Para assinalar esta data redonda, a Warner Music anunciou que irá lançar uma edição limitada do icónico álbum, com uma Deluxe Edition que inclui o álbum original, em formato de CD e LP de 180g com o áudio original remasterizado em 2023, um DVD, dois Blu-ray, uma versão do álbum ao vivo, no Wembley Empire Pool, em London, gravado em 1974, nos formatos CD e LP, e dois singles, Money/Any Colour You Like e Us and Them/Time. 

Para além deste material musical, será ainda incluído o songbook do álbum original com 76 páginas, o livro Pink Floyd – The Dark Side Of The Moon: 50th Anniversary, que contém fotos raras e inéditas captadas durante as digressões de apresentação deste disco, entre 1972 e 1975, e diversas peças de merchandise.

Mas estas celebrações não se fizeram sem controvérsia, com diversos “fãs” a criticarem a decisão de usar um arco-íris na capa deste álbum, já que quase indissociável de Dark Side of the Moon está a sua icónica capa, desenhada por Storm Thorgerson, que representa um prisma atravessado por um feixe de luz que transforma as cores num arc-íris.
Diversos internautas acusaram a banda de estar a apoiar o movimento LBTQ+, que também usa a bandeira como símbolo, e dos Pink Floyd agora serem uma banda woke. 

“A partir de agora, nunca mais ouvirei a banda”, “qual é a conexão entre a obra-prima do Pink Floyd e os LGBT???”, “triste por ver uma banda que já foi grande se tornar totalmente WOKE!!! Eu amava a sua música antes, não vou voltar a ouvir!”, criticaram alguns internautas.