A aula de Oslo

O novo Museu Munch – que do alto do 22.º andar proporciona uma magnífica vista da vizinha Ópera espraiando-se pelas águas do Fiorde de Oslo – entre muitas obras (incluindo o retrato do velho Ibsen) expõe três de dimensões colossais.

Por João Paulo André, químico 

Feliz a nação que entre os seus filhos contou com um Munch. E com um Grieg e um Ibsen. Em 1906, quando o dramaturgo morreu, o pintor tinha 43 anos e a independência da Noruega apenas um. Os três admiraram-se e estimaram-se mutuamente. Ibsen, cuja peça Peer Gynt foi musicada por Grieg, foi retratado (sentado a uma mesa do Grand Café de Oslo) por Munch. Este tinha apenas 14 anos quando, inspirado pela peça Os Pretendentes à Coroa, fez o seu primeiro desenho baseado no imaginário dramático do compatriota.

No Museu Nacional da capital norueguesa, a galeria dos autores pátrios revela-nos a profunda relação dos nórdicos com a Natureza. Neste magnífico edifício, inaugurado em 2022, tanto encontramos trabalhos de artistas com linguagens românticas e naturalistas (com destaque para Inverno em Rondane, de Harald Sohlberg, que, numa expressão muito própria, transporia os limites da representação do real) como daqueles que explicitamente enveredaram pelo simbolismo e expressionismo. Neste segundo grupo, Munch serviu-se da paisagem (em particular do céu!) para acentuar as inquietações da existência. Obras suas como Melancolia, A dança da vida ou Raparigas sobre a ponte, e sobretudo o celebérrimo O Grito, são exemplos de uma genial capacidade de expressar o inexprimível da experiência humana. O peso conferido ao firmamento não será de admirar: na Noruega, durante as auroras boreais, a atmosfera carrega-se das mais impressionantes cores e formas. (A propósito, foi o físico norueguês Kristian Birkeland, em 1908, que explicou a natureza elétrica do fenómeno.)

O novo Museu Munch – que do alto do 22.º andar proporciona uma magnífica vista da vizinha Ópera espraiando-se pelas águas do Fiorde de Oslo – entre muitas obras (incluindo o retrato do velho Ibsen) expõe três de dimensões colossais: O sol, A montanha humana e Os investigadores. A sua história remonta a 1909, ano em que a universidade da capital norueguesa (na altura chamada Cristiânia) abriu concurso para a decoração artística da Aula, a sala de atos académica cuja construção assinalaria, em 1911, o centenário da instituição. Munch foi selecionado, mas somente em 1914 e contra o ceticismo de muitos – como poderia um artista que se destacara pela carga emocional e pessoal da sua obra levar a cabo um projeto de arte pública que expressasse os valores do bem comum? Entregando-se de corpo e alma ao trabalho, produziu um elevado número de esboços e diversas versões dos mesmos temas. Em 1916 deu-o por concluído, tendo de imediato as paredes da Aula ficado providas de onze telas, entre elas Os investigadores. Com uma área de 50 m2, esta retrata um grupo de crianças que numa praia, sob o sol do verão e o Fiorde de Oslo de fundo, procuram na areia conchas, caranguejos, pedras e plantas, numa alegoria da exploração do mundo natural, ou seja, da ciência. Ao centro, uma mulher maternal, vestida de azul, branco e vermelho (as cores nacionais) e amamentando ao peito um recém-nascido, representa simultaneamente a Mãe Terra e a academia, conferidora de saber. Curiosamente, na mesma sala em que a tela é apresentada, uma vitrina estilizada exibe coleções de conchas, minérios e borboletas.

A versão atualmente patente na Aula é ligeiramente diferente daquela (entre outros aspetos contém menos crianças) e intitula-se Alma Mater (expressão latina que significa ‘mãe que nutre’), numa alusão ao nome original da Universidade de Bolonha, Alma Mater Studiorum, que, fundada em 1088, é uma das mais antigas do mundo. Munch teve dificuldade em escolher a versão que ficaria na Aula, tendo, alternadamente, sido ambas expostas. Quando os alemães invadiram a Noruega, em 1939 (cinco anos antes da morte do artista), era Os investigadores que se encontrava pendurada. A tela foi de imediato retirada e escondida, tal como as restantes, nas minas de prata de Kongsberg. Após a guerra, a administração da universidade decidiu que doravante seria exibida a Alma Mater e que a sua congénere seria legada à cidade de Oslo.

A dois passos do Grand Café, a Aula abre ao público duas vezes por mês, ao sábado.