“É só esticar o braço!”, diz Simão, jovem de 23 anos que precisa de um dador compatível de medula

“Quando olhamos para um quadro com cores, mas que tem uma pintinha preta, focamo-nos naquilo que é escuro. A minha pintinha preta é a doença, mas eu escolho focar-me no resto!”, exclama o rapaz.

A dividir o tempo entre casa e o IPO Lisboa desde 16 de setembro, quando foi diagnosticado com leucemia linfoblástica aguda tipo B, Simão Correia, de 23 anos, apela novamente aos portugueses que se tornem dadores de medula. "Tinha oito dadores e agora não há nenhum. Existem o medo, as doenças, a gravidez, etc. Dizem 'Isto pode acontecer'… E pode mesmo, mas a verdade é que eu já estava com outras expectativas. É não só falta de informação, mas também a questão de existirem muitos apelos", explica o jovem, em declarações ao Nascer do SOL, alinhando-se com a namorada. "As pessoas acham que vão doar diretamente a x pessoa. Não é por mal: é só desconhecimento. Até acham que estão a doar automaticamente quando dão sangue e/ou medula. A informação continua a ser escassa", reconhece Maria Leonor Cunha.

"Há muitas campanhas nas redes sociais. No entanto, inscrevem-se, a pessoa a quem queriam doar fica bem, recebem um telefonema y tempo depois e já não querem doar porque não existe o 'calor do momento', a afinidade com o caso. É complicado", assume Simão, mencionando que "há dias mais fáceis do que outros". "Sou e sempre fui bastante positivo, mas aquilo que tenho não é uma constipação. Tenho uma doença difícil e convivo com bastantes casos de sucesso, graças a Deus, mas com outros cujos desfechos não foram coloridos. E esse medo é constante na minha vida", admite Simão. "Tento não pensar nisso, mas há momentos de maior fragilidade. No IPO temos psicólogos, mas não sei se é por ser em pouco número… O acompanhamento não é assim tão presente quanto acho que devia ser. Tive de procurar uma psicóloga a nível privado para exercitar a cabeça, como costumo dizer. Música, passeios… Tenho de me distrair".

"Quem diz que isto é fácil está muito enganado. Estamos juntos, mais fortes do que nunca, mas há pessoas cuja realidade é diferente. O Simão luta todos os dias com unhas e dentes, mas tudo pode correr mal", avança Maria Leonor, que acompanha incondicionalmente o parceiro desde o primeiro minuto. "Ao início diziam-me que toda a gente tem 50% de hipóteses de sobreviver sempre que acorda, mas a palavra cancro assusta. Há mudanças físicas e psicológicas que custam imenso como o facto de o cabelo e as sobrancelhas caírem", reflete, sendo que Maria Leonor diz de seguida que o maior sonho que têm é serem pais e o mesmo "poderá não acontecer". "Ficamos muito assustados. Não estamos casados, mas vamos estar. Não estamos noivos, mas estaremos. Ele luta e eu luto ao lado dele".

"Os médicos e enfermeiros são incansáveis: fazem omeletes sem ovos", aponta Maria Leonor, enquanto Simão garante que apenas tem conseguido suportar este caminho que trilha devido ao "apoio das pessoas certas". "Quando tudo melhorar, vou lutar para que o tempo de visita seja aumentado e o acompanhamento psicológico mais frequente. Temos de pegar nos raios de sol que vão aparecendo. Quando olhamos para um quadro com cores, mas que tem uma pintinha preta, focamo-nos naquilo que é escuro. A minha pintinha preta é a doença, mas eu escolho focar-me no resto!", exclama. "Se isto nos calhou foi por algum motivo", frisa Maria Leonor. "É só esticar o braço e salvamos alguém! Não nos podemos esquecer disso". 

"Desde que, em setembro, o Nascer do SOL noticiou o caso do Simão, verificou-se um aumento muito significativo de dádivas de sangue e de inscrições para potenciais dadores de medula óssea, pelo que estamos desde já muito, mas muito agradecidos. Em janeiro o Simão recebeu a informação de que se tinham encontrado vários potenciais dadores compatíveis com ele, com uma compatibilidade de 90% – uma elevada e ótima percentagem de compatibilidade", começa por declarar, à sua vez, Pedro, pai de Simão. "Confessamos que até ficámos surpreendidos por se ter encontrado um número tão elevado de dadores compatíveis. Recebemos esta notícia com imensa alegria. Estávamos preocupados, pois com os pais a situação é distinta. A compatibilidade mais elevada é a do pai com apenas 58,3% e a mãe tem uma percentagem mais baixa", observa.

"Mas, como este é um caminho com imensas surpresas boas e más sempre a acontecer, fomos agora amargamente surpreendidos com a notícia de que alguns dos potenciais dadores inicialmente perfilados para o Simão recusaram ser dadores! Sim… depois de se inscreverem, recusaram doar medula! Dos restantes, alguns encontram-se limitados por situações diversas que os impedem de ser dadores (doença, gravidez, transfusões de sangue, etc.), mas outros recusaram assim: sem mais nem menos!", lamenta, tal como Simão e Maria Leonor. "Recusaram simplesmente porque sim ou porque quando se inscreveram como dadores fizeram-no na intenção de doarem para determinada pessoa e que agora, não sendo já necessário, recusam-se salvar outra vida que não aquela em quem pensaram quando se registaram!", constata, explicitando, porém, que não está "revoltado ou enraivecido", mas sim "desolado, angustiado e amargurado". Exatamente como Dulce, mãe de Simão.

"Sinceramente, depois de todas as surpresas que temos vindo a vivenciar desde setembro, reconhecemos que depois da notícia da leucemia do Simão, esta é a que nos deixou mais perplexos. Nem imaginávamos que isto pudesse alguma vez acontecer! O Simão está desolado como nós e muito receoso daquilo que o futuro lhe reserva. No dia em que soube da triste noticia, no passado dia 22 de janeiro, partilhou no seu diário o que lhe ia na alma, mas nem aí perdeu a sua postura de luta ou demonstrou revolta. O Simão quer 'simplesmente' viver!", afirmam ambos, contando que Simão "em boa hora recebeu um convite do Tiago Nogueira d'Os Quatro e Meia para ir tocar e cantar ao vivo uma canção que ele próprio escreveu e compôs no IPO".

"O concerto foi no passado dia 26 de janeiro no Palácio Baldaya e contou com a presença do Tiago Nogueira, do Ricardo (também da banda) e do António Zambujo. A médica dele conseguiu organizar os tratamentos de modo a ele conseguir estar presente. Foi o momento do Simão! Por instantes conseguiu esquecer a doença e 'simplesmente' voltar a sonhar e a viver! Este momento mágico veio ocupar um espaço no seu coração e na sua alma, e voltou a sonhar com uma carreira musical. Foi o clique para que a sua cabeça deixasse de estar apenas ocupada com a sua enfermidade e com a perspetiva de não conseguir um dador compatível", narram, lembrando que, em 2018 (dados mais recentes disponibilizados), 80 pessoas inscritas no Centro Nacional de Dadores de Medula Óssea, Estaminais ou de Sangue do Cordão (CEDACE) recusaram doar quando foram chamadas a fazê-lo por serem compatíveis com um doente em risco de vida. Esta informação foi adiantada, à época, pelo Jornal de Notícias, que recordou que em 2017 as desistências haviam escalado até às 110.

"De repente, parou tudo. O chão desabou debaixo dos nossos pés pela segunda vez. Temos uma réstia de esperança. Quando dizem que 'sim', têm de levar o 'sim' até ao fim. Quem se inscreve como dador de sangue devia inscrever-se como dador de medula automaticamente. A quem recuou: por favor, esclareçam-se e saibam que podem fazer toda a diferença", deixam o apelo. "É um projeto de vida, não é um projeto de morte: doem medula. Temos uma aplicação do IPO instalada e sempre que vem uma notificação a vida para: deixamos de respirar e ficamos no impasse. Será que é agora?", questionam nessas ocasiões. "Mas é uma consulta, uma receita, etc.", confirmam. "Vivemos pendurados na expectativa de aparecer alguém subitamente. Quando há mais uma pessoa a inscrever-se, há mais uma hipótese. No IPO há tanta gente a precisar de ajuda: é aflitivo. Têm a vida suspensa. Visitem a sala de espera numa manhã e vejam a quantidade de pessoas com a vida parada". 

"Por favor: eu não posso porque alguém salvou a minha vida ao doar-me sangue em 2013, mas para salvarem a vida do Simão, doem sangue", refere a ativista dos direitos humanos Francisca de Magalhães Barros. "Todos os potenciais dadores de medula óssea desistiram, mas nós não! Por favor, sejam dadores de medula!", termina a também cronista e pintora.

Segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), para se ser potencial dador de medula óssea é necessário: ter entre 18 e 45 anos; ter no mínimo 50kg e 1.50m de altura; ser saudável e nunca ter recebido uma transfusão de sangue, desde 1980. Clique aqui para saber mais.