O comboio lusitano a duas velocidades

O que dizem estes números ao Zé Povinho que tem de puxar do manípulo de emergência para conseguir sair de um comboio que mais parece sair de um filme indiano ou paquistanês?

por Luís Ferreira Lopes

Os efeitos económicos e sociais da recente greve dos trabalhadores da CP e da IP (Infraestruturas de Portugal) – que paralisou, de novo, os comboios no país e provocou o caos de trânsito automóvel nas áreas da Grande Lisboa e do Grande Porto, entre 27 de fevereiro e 2 de março -, deveriam ser analisados com redobrada atenção política e institucional. Paradoxalmente, numa semana marcada por boas notícias para a economia portuguesa, com a redução da dívida pública e o aumento das exportações.

Noite de quarta-feira, 1 de março. Um comboio da linha de Sintra ficou parado mais de uma hora, perto da estação de Benfica. Os passageiros acionaram o travão de emergência. Segundo a PSP e vários utentes / clientes da CP, não haveria condições de viajar nas carruagens sobrelotadas, no regresso de um dia de trabalho de Lisboa para Sintra. Quem sabe o que é andar de comboio ou metro, em modo “sardinha em lata”, na área metropolitana de Lisboa, decerto compreenderá a revolta e o cansaço dos cidadãos.

As imagens partilhadas nas redes sociais e emitidas pelas TVs, com pessoas a viajar penduradas na porta da carruagem e a caminhar pela linha férrea, mais parecem de um país sobrepovoado do terceiro mundo. Até às 18h de dia 1, foram suprimidos num só dia três em cada quatro comboios, ou seja, 746 dos 985 programados pela CP. Os passageiros dos comboios e os automobilistas que perderam muito mais tempo e dinheiro com os intermináveis dias de greve em fevereiro entenderão o direito democrático à greve, mas decerto não compreendem, nem desculpam os danos nas suas vidas laborais e familiares causados pelos sindicatos com siglas dificilmente decifráveis como SINFA, ASCEF, ASSIFECO, FENTCOP, SINFB, SIOFA, STF, STMEFE, SINAFE e SNTSF.

Na base dos protestos dos profissionais deste relevante transporte público que é o comboio está o aumento brutal do custo de vida, sem atualização salarial. É isto que, em parte, também leva à greve corporações como a dos professores ou dos profissionais de saúde pública. Todos os portugueses já perceberam a mensagem – e sentiram-na na pele e no bolso. O governo da República e entidades como a CP e a IP estarão a fazer as suas contas, enquanto resistem a negociar face a tamanha pressão. Mas isto não é justo para quem não tem opção ao transporte público e às filas intermináveis no centro e na periferia de cidades como Lisboa e Porto. Infelizmente, isso pouco importa, regra geral, à CGTP e às máquinas partidárias da extrema-esquerda ou dos movimentos inorgânicos ligados à extrema-direita, ambos apostados na agitação social para desgastar o governo – qualquer que seja o que esteja em funções.

Ora, o governo pode e deve agir, se as greves persistirem. Se está disposto a negociar, então despache-se a fazer contas e avance com aumentos que sejam sustentáveis para as contas públicas. Se não aumenta, deve evitar – pelos recursos legais que tem ao seu dispor – o prolongamento de perturbações enormes que paralisam cidades e toda uma economia que até cresceu 6,7%, no ano passado. Se é para usar a requisição civil nos transportes públicos, então use. Mas termine com os enormes prejuízos aos passageiros dos comboios sobrelotados, por exemplo, das linhas de Sintra ou Azambuja e a todos os cidadãos que têm de recorrer ao automóvel para deslocações intermunicipais. Há uma altura para dizer basta.

Com imagens como a do comboio da linha de Sintra, de pouco vale ao governo de António Costa apresentar como trunfos os números da redução da dívida pública para 113,8% do PIB, em 2022 – é o valor mais baixo desde 2010 – e do aumento das exportações para 50% do PIB, no ano passado. Sem dúvida, “é o melhor resultado de sempre da economia portuguesa”, ou seja, “o que vendemos ao exterior já vale metade da riqueza produzida num ano”, como sublinhou o ministro das Finanças.

Fernando Medina tem bons indicadores para apresentar aos mercados internacionais e isso é realmente positivo. Mas o que dizem estes números ao Zé Povinho que tem de puxar do manípulo de emergência para conseguir sair de um comboio que, nestes idos de março, mais parece sair de um filme indiano ou paquistanês?