WM. De Chapman a Cândido

A história entre Arsenal e Sporting (defrontam-se dia 9) é muito mais rica do que se pensa: ambos subiram ao topo à custa de uma tática revolucionária.

Há gente que gosta tanto de falar de táticas que transforma o futebol numa espécie de coleção de números de telefone – 4.4.2, 4.3.3, 5.3.2 etc. etc. quando não lhes dá para pôr mais números pelo meio. Sempre fui de opinião de que a tática deve servir para se perceber o futebol e não para complicá-lo. Reduzir o jogo a uma amálgama de esquemas táticos não é apenas redutor: é bacoco. Hoje falo de táticas por causa dos encontros que irão pôr frente a frente Sporting e Arsenal para a Liga Europa. E porque algo une profundamente os dois clubes nos seus momentos de maior êxito: o WM. A revolução dar-se-ia em 1932 quando Herbert Chapman, treinador do Arsenal de Londres, dispôs a sua equipa num esquema que surpreendeu todos os seus adversários. E com ele que os Gunners ganharam três campeonatos consecutivos e uma Taça de Inglaterra.

Em que consiste afinal o golpe de mestre? Abra-se primeiro um parêntesis fundamental – para recordar que, até 1925, a regra do Fora de Jogo estipulava que seria considerado ‘off-side’ o jogador que permanecesse no campo adversário além da linha da bola e não tivesse, no momento em que a bola lhe era passada, entre ele e a linha de baliza oposta pelo menos três adversários. Basicamente todas as equipas dispunham as três linhas básicas da estratégia, defesa, meio-campo e ataque respetivamente com dois, três e cinco jogadores. Depois a regra foi alterada com a redução de três para dois do número de adversários que o atacante necessita de ter entre ele e a linha de baliza contrária para não ser considerado ‘off-side’. Com isto, os avançados puderam passar a internar-se mais no campo oposto e mesmo permanecer na zona de remate.

 

A revolução de Chapman

Perante a nova realidade, receava Chapman que se o 5 ofensivo se deslocasse muito no comprimento do terreno passasse a existir um espaço excessivo entre a linha avançada e a linha média. Daí fazer subir apenas três (os extremos e o avançado-centro) mantendo os dois interiores no intervalo entre eles e os médios. Surgia então a figura geométrica do W ofensivo: 2.3. Mas não se ficou por aqui: prevendo que rapidamente as equipas adversárias adotariam o mesmo esquema, Chapman desde logo percebeu que não era possível manter a defensiva clássica pois dessa forma nenhum dos cinco atacantes teria a oposição direta de qualquer dos defesas. Seguro de que, do ponto de vista defensivo, a disposição simétrica é, no geral, a que produz melhores resultados, o treinador do Arsenal fez recuar o médio-centro e deslocou os dois defesas para as laterais. Surgiu desta forma o ‘Third Back Game’, o jogo dos três defesas, que opunha ao avançado-centro o médio-centro agora defesa-central e aos extremos os defesas agora laterais. Os dois médios restantes ficavam na zona de ação dos interiores. Desenhava-se então o M defensivo que, em Portugal, foi apelidado pelos detratores do novo sistema como O Jogo dos Pares.

Cândido de Oliveira foi um dos grandes apaixonados pelo WM de Chapman – escreveu um livro precisamente chamado de WM – e em 1935 assistiu, em Londres, ao curso de treinadores da Federação Inglesa e ficou absolutamente convencido de que não havia sistema mais perfeito. Com a colocação do ataque em W tornou-o mais estável, permitiu maior gama de combinações e colocava em dificuldades as equipas que defendiam em 2.3; deixando de atuar em linha como até aí, obrigava o avançado-centro a alterar as suas características – deixava de ser um estilista, de grande controlo de bola, para ser um jogador em força e de grande poder de remate – e exigia aos extremos que fossem velozes e aos interiores que fossem, esses sim, habilidosos e imaginativos. Por seu lado, os defesas passavam a ter funções quase exclusivamente defensivas. E o defesa-central, o tal ‘third back’, devia ser suficientemente robusto para se opor com eficácia ao avançado-centro. Com o recuo dos dois interiores em relação ao avançado-centro e com a aproximação destes aos médios, criava-se no centro do terreno um quadrado, o chamado Quadrado Mágico. E desta forma começou a desenhar mentalmente a equipa dos Cinco Violinos. No W ofensivo teve um avançado-centro em força e de grande poder de remate – Peyroteo; extremos velozes – Jesus Correia e Albano; interiores habilidosos e imaginativos – Vasques e Travassos. Fabricou por assim dizer uma das mais poderosas equipas de sempre que teve a desdita da vida curta por via do abandono de Peyroteo. Mas que não ficava a dever nada ao Arsenal de Chapman…