A história começou com a opinião de Rui Santos, jornalista desportivo há 47 anos, 20 destes em televisão, na CNN, no seu programa Em Campo. Sérgio Conceição, o treinador do FC Porto, não gostou do que ouviu e em conferência de imprensa apelidou o progranma de «palhaçada e de autoajuda». Até aqui não viria mal ao mundo, mas depois entrou em ação o Porto Canal, que no seu site fez uma notícia injuriosa para Rui Santos, avançando ainda a informação que a companheira do jornalista é proprietária de um restaurante no Porto. Foi o suficiente para a vida de ambos se alterar completamente, pois os ânimos da claque portista são inflamáveis com muita facilidade.
Depois dessa notícia, não assinada, o conselho de redação do Porto Canal demarcou-se da mesma, dizendo que não tinha sido escrita por nenhum jornalista. Segundo algumas informações que circulam nas redes sociais, alguns jornalistas do Porto Canal começaram a ser ameaçados por alegados elementos da claque portista, descontentes com a posição dos jornalistas do canal do FC Porto.
«Enquanto jornalistas, portadores de carteira profissional e cientes e zelosos de cumprir o Código Deontológico dos Jornalistas, repudiamos por completo o facto de conteúdos que não obedeçam às regras mais básicas do jornalismo serem publicados nos meios informativos que a estrutura azul e branca detém», pode ler-se no comunicado a que vários jornais tiveram acesso. Logo no dia 10, a Associação dos Jornalistas de Desporto (CNID) condenou os ataques de que Rui Santos estava a ser alvo.
«O jornalista Rui Santos foi recentemente alvo de ataques, nomeadamente nas redes sociais, que são inaceitáveis e que configuram crimes», pode ler-se no texto. «Ter opinião e transmiti-la através de um Órgão de Comunicação Social, é um direito, e um dever, dos jornalistas, desde logo porque é balizada pelas leis de um país democrático e pelos códigos que regem a profissão. Quem achar que um jornalista não cumpre com as leis do país tem um bom caminho – o dos tribunais», foi acrescentado.
«O insulto, a difamação, a ameaça são as armas dos fracos», afirmou a Direção do CNID, lembrando que existiram condenações em tribunal por publicações de ódio nas redes sociais e tendo destacado que «é bom que haja consciência disso». «É inaceitável que num país democrático um jornalista seja alvo deste tipo de ataques», disse acerca do jornalista cuja companheira e família mais próxima estão a receber proteção policial.
No artigo, que constitui um perfil, o percurso de Rui Santos é sempre questionado e criticado, começando pelo facto de ter começado «muito cedo, aos 15 anos de idade» e ter-se devido aparentemente «à ação de um tio. Vítor Santos, irmão do pai de Rui», que «foi chefe de redação de A Bola durante 33 anos e deu ao sobrinho, em janeiro de 1976, a oportunidade de publicar os primeiros textos no jornal».
«Ao longo das décadas seguintes, a carreira de Rui Santos desenvolveu-se no periódico da Travessa da Queimada, e nunca lhe faltaram oportunidades que normalmente estão reservadas para profissionais mais experientes e qualificados: ainda não tinha completado 19 anos de idade quando foi enviado a Madrid para cobrir a final da Taça dos Clubes Campeões Europeus entre o Nottingham Forrest e o Malmö» (não com este último, mas sim com o Hamburgo), foi explicitado, sendo que o facto de ter frequentado a licenciatura em Gestão de Empresas, pela Universidade Católica Portuguesa, foi deliberadamente ocultado ou esquecido.
«Mais tarde, tal como o tio, viria a ser chefe de redação do desportivo lisboeta. E do tio herdou uma participação na propriedade do jornal que viria a vender por um valor avultado no início do novo século», foi indicado (foi nomeado sub-chefe de redação em 1993, três anos após a morte do tio), falando-se na SIC e nas acusações de racismo, mas não noutros detalhes como a colaboração com o Correio da Manhã e o Record, tal como o ‘Tempo Extra’ na SIC Notícias, a publicação de livros ou a autoria da petição online ‘Pela Verdade Desportiva’. Quanto à herança, o Nascer do SOL sabe que tal não é verdade.
O Sindicato dos Jornalistas (SJ) também reagiu ao sucedido num comunicado veiculado a 13 de fevereiro: «Nos últimos dias assistimos a atitudes agressivas de adeptos contra um jornalista da CMTV à porta do estádio de Alvalade, bem como a publicações insultuosas e ameaçadoras para com um jornalista da CNN», alertou. «O SJ recorda que as agressões a jornalistas são consideradas crime público, desde março de 2018, e exorta as autoridades judiciais a agir», avançou, acrescentando que «condena todo e qualquer tipo de obstrução ao trabalho dos jornalistas ou de tentativa de intimidação dos profissionais que estão no exercício das funções e apela às autoridades policiais que zelem pela segurança e pela liberdade dos jornalistas no exercício da profissão, cujos direitos estão consagrados na Constituição da República portuguesa».
«Estamos perto da comemoração do 50.º aniversário do 25 de abril e uma das maiores conquistas foi a liberdade de imprensa, assim como a de expressão. Ver um órgão de comunicação social publicar, sem qualquer contextualização, a propriedade de um restaurante, com a respetiva morada, dizendo que se trata da companheira do Rui Santos… Causa-me alguma repulsa», diz, em declarações ao Nascer do SOL, Luís Filipe Simões, presidente da direção do SJ.
«Podemos discordar das pessoas, mas a forma de contrariar essas opiniões é argumentarmos e não fazer coisas como esta. Enquanto presidente do SJ e em primeira análise, enquanto jornalista, fico preocupado. Neste contexto pouco me importa se o proprietário é um clube de futebol porque é uma violação muito grosseira de uma coisa que nos rege a todos enquanto jornalistas: o Código Deontológico e de Ética. Por isso, custa-me que qualquer órgão viole esse Código condicionando alguém que expressa a sua opinião», avança.
«Neste caso, coloca-se em causa uma pessoa que nem sequer tem nada a ver com a situação: uma pessoa que é companheira de outra não tem de sofrer represálias, ser colocada no centro do furacão. Se quem expressa a opinião não deve sofrer, muito menos deve quem não está relacionado com o assunto. Quem o fez não pode dizer que o fez de ânimo leve. A nossa profissão é escrutinada ao dia, à hora, por vezes ao minuto, e isso acontece porque o jornalismo é um dos principais pilares da democracia», observa, rematando que «o mensageiro não pode é ser o alvo: estamos a fazer o nosso trabalho e não podemos admitir o recurso à violência».
«De uma vez por todas, temos de decidir aquilo que é e não é um órgão jornalístico. A discussão vai ser muito longa e animada, mas um órgão jornalístico tem de seguir regras que não podem ser violadas. E este caso é um bom caso para começarmos a discutir isto. No Porto Canal, há jornalistas de corpo inteiro: aliás, há quem se tenha demarcado daquele artigo. Tiveram uma atitude fantástica, prestaram serviço ao jornalismo e isso deve ser realçado», conclui Luís Filipe Simões.
A pressão que o FCP exerce sobre o Porto Canal
«Muitas vezes, não achávamos relevância no que havia sido dito e não fazíamos nada. Mas depois éramos alertados que deveria ser noticiado. Havia essa pressão. Depois passámos a introduzir sempre notícias das revelações», indicou, a seu lado, em tribunal, a propósito do ‘Caso dos emails’, a antiga diretora de informação do Porto Canal, Ana Guedes Rodrigues, tendo adiantado que no Porto Canal e no programa Universo Porto da Bancada «nem toda a gente tinha carteira profissional de jornalista».
Assim, entende-se o modo como o FC Porto poderá pressionar o Porto Canal na divulgação de determinados conteúdos, o que estará igualmente relacionado com o caso de Rui Santos. Tanto que quando clicamos no separador ‘Sobre o Porto Canal’, no site oficial do mesmo, compreendemos que, à data de 10 de julho de 2015, a FCP MEDIA, SA detinha 82,40% do capital social e a mesma percentagem do capital social com direito de voto, sendo a Avenida dos Aliados – Sociedade de Comunicação, SA (Avenida dos Aliados, SA), titular do serviço de programas televisivo Porto Canal, composta por um Conselho de Administração cujo presidente é Jorge Pinto da Costa, atual dirigente do FCP.
Volvidas três semanas da publicação do artigo pelo Porto Canal, informação como os nomes da companheira de Rui Santos e do estabelecimento comercial da mesma já não constam no artigo, mas ninguém do Porto Canal e do FCP lamentou o facto ou apresentou um pedido de desculpas para tentar desagravar o crime cometido.