“Tempo Instável”

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

Passei pelo teu prédio para aliviar a tua caixa de correio que está sempre ao rubro. Disse para a porteira: 
– Bom dia D. Lurdes. Já começou Março. Este mês a avô celebra 80 anos e, finalmente, começa a Primavera, só alegrias.
Ao que ela me responde:
– A Primavera pode estar quase a começar. Mas as minhas articulações e o meu Galo não assinalam bom tempo. Já a Doutora … não há quem a veja. Só quer estar na Ericeira.
Avó, do meu coração, nem estava a perceber do que Galo a mulher estava a falar. Ela nem hesitou. Levantou-se, num ápice, entrou dentro de casa para logo de seguida sair. Na mão trazia um Galo aveludado. Ergue o Galo e diz:
– Como o menino pode ver, o Galo não está com as penas azuis. Logo, os dias de Primavera não estão próximos. O Galo nunca se engana!
E volta a desaparecer dentro de casa.
Há muitos anos que não via um Galo daqueles. Lembro-me de os meus pais terem um (quem não tinha?), quando eu era pequeno.
Dependendo da humidade no ar, mudavam para cores que oscilavam entre os vários tons de azul ou vários tons de rosa. Rosa era indício de que provavelmente o tempo estaria chuvoso. Já se ele estivesse azul o mais provável seria o dia estar quente. 
Estes Galos nunca conseguiam determinar as previsões do tempo para o futuro. Serviam apenas para registar as variações da humidade no momento.
Não era milagre nenhum! Apenas o resultado químico de um produto com que o Galo era fabricado que o fazia mudar de cor consoante a humidade do local onde se encontrava.
Mas este método de previsão meteorológica ia para além dos galinhos. Recordo-me de ser pequeno, e em Fátima ver à venda Santinhas que também “previam a mudança de tempo” consoante a mudança da cor do manto.
Posto isto, lá vim eu com as tuas cartas.
Na Ericeira estes Galos devem passar grande parte do ano com as penas nos tons rosa. Gosto muito mais das aplicações no telefone. Ainda assim também falíveis. 
Bjs

Querido neto,

Isto do tempo tem que se lhe diga… Lembro-me de haver uma Nossa Senhora em casa da minha avó Gertrudes (onde eu ia raramente) que mudava de cor consoante havia sol ou chuva. Mas do que eu gostava mais era de uma estatueta de gesso, ao lado da Nossa Senhora, que era um mealheiro, com um menino loiro e um menino preto, onde se lia “ajudai as missões”.
Mas voltando ao tempo.
Lá em casa das minhas tias a gente guiava-se mais pelas maleitas delas: «ai as minhas cruzes!» – estava frio e húmido. Quando se passeavam pelo corredor entretidas a dizerem mal das vizinhas – fazia bom tempo.
Passávamos o verão em Rio de Mouro, e íamos todos os dias à praia do Guincho. Hoje é uma praia da moda – mas naquela altura éramos as únicas pessoas que lá iam. E antes de sairmos de casa, a minha tia Aurora telefonava para o Café Muxaxo, que ficava ao lado da praia, a perguntar ao Sr. Américo como estava o tempo. E ele dizia. Então armávamo-nos de mantas, casacos, camisolas, mais os tachos com a comida para o almoço, e lá marchávamos para o Guincho. 
Claro que a praia não era vigiada, nem se sabia que coisa era essa. Mas, às 11 em ponto, chegava o Sr. António, que era pescador, vendia peixe às minha tias, e depois mandava-nos pôr em fila diante do mar, apertava o nosso nariz e atirava-nos para a água. A gente esbracejava, gritava, mas só saía quando ela deixava,
E foi assim que todos nós aprendemos a nadar na perfeição.
Isto, claro, quer chovesse, quer fizesse sol. E nunca nenhum de nós se constipou.
E agora até me estou a rir, a pensar como mudaria de cor a Nossa Senhora ou o teu Galo, aqui na Ericeira! Saio de casa, está a chover; vou a meio da rua, faz sol, chego à praia está outra vez a chover… Coitadinhos, morriam de exaustão…
E vou ficar aqui pela Ericeira. Se quiseres cá vir, sabes o caminho de cor.
Só não me perguntes pelo tempo…
Bjs