A TAP e a ‘navegação de cabotagem’

Não podemos determinar que a TAP deve ser uma empresa pública pelo seu valor estratégico para o país, para poucos anos mais tarde advogar a sua privatização, como se nada fosse…

por Francisco Gonçalves

Ouvi, há alguns dias, um comentador dizer que quando ouve a expressão «desígnio» estremece. Percebemos os nervos, mas a verdade é simples: um desígnio é um objetivo estratégico, se não o tivermos como se define o caminho para lá chegar?

A questão parece ser exatamente essa: saber onde queremos chegar. Sabemos?

Quando, há alguns anos, o primeiro-ministro António Costa defendeu a importância estratégica da TAP e do ‘hub’ aeroportuário de Lisboa, metaforizando como os seus aviões eram as novas caravelas, percebia-se, ainda que com algum excesso, que havia uma ideia e um caminho para a empresa.

Ninguém, com o mínimo de conhecimento da especificidade de Portugal, o único pequeno país no mundo com dimensão global, pode menosprezar o papel de uma companhia aérea de bandeira que sirva essa especificidade, e essa relação complexa do país com o seu ‘excesso de história’ e com a sua diáspora. Na verdade, ‘com o mundo que o português criou’.

O país conjuga mal o seu passado imperial, que deixou lastro, goste-se ou não, com a sua exiguidade contemporânea; a que se soma um papel no mundo que, por vezes, parece não ser capaz de suportar – ao ponto de aparentar sentir essa dimensão como um fardo, que convém abandonar.

Portugal sempre se encantou com o ouro, seja com o do Brasil passado, seja o de Bruxelas atual. O ouro de Bruxelas parece ter ofuscado as mais recentes gerações das lideranças políticas portuguesas, cada vez mais deslumbradas com a ‘normalidade’ da ‘ilha de paz’, do que com os «países de moscas» (recordando a infeliz expressão do ex-MNE Jaime Gama).

Estes líderes da geração da ‘normalidade europeia’ criaram um país amputado na sua capacidade de gerar objetivos estratégicos para si próprio, originando um Portugal atamancado e ronceiro que, de tanto se preocupar em ser mais uma cópia no seio da UE, estagnou, perdido nas suas próprias cogitações.

A crise do subprime, bem como os furtos de ventiladores e equipamentos de proteção individual durante o auge da covid-19, deviam ter sido o bastante para demonstrar a necessidade de conjugarmos a integração na UE com uma interpretação moderna do que constitui o interesse nacional português, no século XXI.

Quando questionado sobre qual o segredo do sucesso de Singapura, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Kishore Mahbubani disse que o primeiro pilar foi o da meritocracia: ser governados pelos melhores. Em todas as áreas.

Ser governado pelos melhores ajuda na definição dos tais objetivos estratégicos que nos têm faltado. Não podemos determinar que a TAP deve ser uma empresa pública (ou com forte participação pública) pelo seu valor estratégico para o país, para poucos anos mais tarde advogar a sua privatização, como se nada fosse. Este ‘pequeno nada’ foi um esforço colossal para o povo português.

Os ‘esforços coletivos’ devem ser realizados em razão de um objetivo, não por um estado de alma para obter um simples argumento.

Temos passado demasiado tempo em ‘navegação de cabotagem’, sem que nos lancemos no mar alto. Percebe-se: não sabemos para onde queremos ir!