O Professor ChatGPT

Encontramo-nos em uma encruzilhada que exige de todos nós uma vontade de pensamento crítico humano – tão humano! – para que a tecnologia não destrua um património milenar e esteja, verdadeiramente, ao serviço da Escola. 

Por Inês Godinho, *Professora Associada Universidade Lusófona – Centro Universitário do Porto 

Atualmente, não há quase dia que passe em que não surja uma notícia dando conta dos inúmeros talentos do ChatGPT.

Sabendo tudo, ou quase tudo, escreve livros sem crises existenciais ou angústias de criação, não tendo de parar de o fazer para o comezinho cumprimento das mais básicas necessidades humanas, como comer ou dormir. Conhece biografias de qualquer um – ainda que a exatidão possa ser falível –, enuncia factos e datas e uma qualquer sua possível relação – apreciações éticas à parte – tem, em suma, um conhecimento que epitetaríamos de enciclopédico – não fosse estarmos a referirmo-nos a uma ferramenta – e, em abono da verdade, até tem opiniões.

Já promovido a escritor, que tudo sabe, mais valerá promovê-lo, de uma vez, a professor. Não se queixará por trabalhar horas a mais ou longe do seu local de residência, não reivindicará que lhe seja pago tempo de serviço ou melhores ordenados, não fará greve e, melhor do que tudo, terá toda a informação e mais alguma que surja, imediatamente disponível na ponta dos dedos de qualquer aluno. Pense-se apenas na enorme poupança financeira: pessoas para quê? Bastará o ChatGPT! Eliminem-se os docentes, como profissão. E os alunos, certamente, agradecerão. Como não? Um professor disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, haverá melhor? Sem faltas, nem baixas por doença. Sem críticas nem elogios: unicamente a pura veiculação ininterrupta de informação que, ao gosto do aluno, poderá ser em versão simplificada ou animada, tudo dependendo do pedido feito ao Professor ChatGPT.

Mais: bastará um computador; até o gasto com estabelecimentos de ensino reduzirá. Os estabelecimentos menos evoluídos serão híbridos ou, idealmente, virtuais, em que existirão belos equipamentos, apenas no metaverso. Na verdade, cada computador, melhor, terminal, será a escola do aluno, com acesso a um metaverso de equipamentos: os melhores ginásios, belas salas e laboratórios, bibliotecas de perder de vista e, quem sabe, até salas para cada tipo de atividade criativa. Tudo sem sair da cadeira de casa, bastando pôr uns óculos. E os alunos, nas avaliações e nos trabalhos académicos, recorrerão ao fiável Professor ChatGPT para os fazer por eles. Será também a era dos alunos ChatGPT.

Importa por isso, hoje, fazer uma escolha. Uma escolha que não poderá passar por ignorar a tecnologia, mas que também não poderá significar uma aceitação subjugada desta ferramenta de Inteligência Artificial. Encontramo-nos em uma encruzilhada que exige de todos nós uma vontade de pensamento crítico humano – tão humano! – para que a tecnologia não destrua um património milenar e esteja, verdadeiramente, ao serviço da Escola. 

Sem uma reflexão urgente, este 'admirável mundo novo’ poderá fazer-nos assistir ao ‘fim da história’ e ao último professor.