Opiniao

O nonagenário que quer ser primeiro-ministro

A reconversão política de Tamames mostra-se agora ainda mais acentuada, de Santiago para Santiago, salta de Carrillo para Abascal, do PC para VOX mas o mais provável é que ele nunca tenha sido comunista como agora não será um ultra direitista, simplesmente usa a inteligência para, em lugar de servir os partidos, os aproveitar para, através deles, poder expressar e defender as suas ideias que não são, necessariamente, as mesmas que fazem parte do ideário partidista.

O nonagenário que quer ser primeiro-ministro

por Manuel Pereira Ramos

Se a cabeça pensa e o resto do corpo funciona de forma aceitável, não há motivo para deixar que a idade que consta no bilhete de identidade se possa converter numa barreira capaz de impedir a qualquer pessoa de continuar a ser ativa na vida, fazer ouvir a sua voz e defender as suas ideias, melhor ainda se é no Parlamento. “Velhos são os trapos” deve ter sido o refrão que inspirou a Ramón Tamames para, sentindo-se em boas condições físicas e mentais, tenha esquecido o peso dos seus quase noventa anos para se lançar, voluntariamente, na aventura de ser o candidato a primeiro ministro na moção de censura apresentada, contra Pedro Sánchez pelo partido de extrema direita VOX e que na próxima semana será debatida no Congresso dos Deputados. Esta é a sexta vez que, na história da moderna democracia espanhola, se ativa este mecanismo previsto na Constituição, mas só numa houve êxito, precisamente a que levou à queda de Mariano Rajoy e à chegada de Sánchez à presidência do governo. A de agora, condenado ao insucesso, não terá mais que um valor testemunhal mas sim dará a oportunidade aos espanhóis de ouvirem um intelectual brilhante fazer o diagnóstico dos males que sofre o seu país e indicar as medidas que, segunda a sua visão, deveriam ser aplicadas para os solucionar.

Ramón Tamames tem sido tudo na vida, começou muito jovem a lutar contra o regime de Franco que lhe castigou a ousadia metendo-o duas vezes na prisão. Filho da guerra civil espanhola, passou pela difícil experiência da mãe ter decidido por termo á vida quando apenas tinha sete anos mas, sob a tutela do pai, estudou economia, chegou a catedrático e elaborou o famoso trabalho “Estrutura da Economia Espanhola” de leitura obrigatória para quem queira analisar a evolução do sistema económico da nação nossa vizinha e que vai já pela sua 26ª edição. Além da sua carreira universitária, foi escritor com vários romances publicados, alpinista, pintor, retratista, tertuliano, analista político, bom em tudo o que se propôs fazer. Iniciou-se na política entrando, ainda bastante novo, no clandestino Partido Comunista onde, às ordens de Santiago Carrillo, foi membro destacado durante o período de transição democrática. Deixou o PC, ajudou a criar Esquerda Unida para depois dar um giro para o centro aliando-se à UCD, partido criado por Adolfo Suárez. A reconversão política de Tamames mostra-se agora ainda mais acentuada, de Santiago para Santiago, salta de Carrillo para Abascal, do PC para VOX mas o mais provável é que ele nunca tenha sido comunista como agora não será um ultra direitista, simplesmente usa a inteligência para, em lugar de servir os partidos, os aproveitar para, através deles, poder expressar e defender as suas ideias que não são, necessariamente, as mesmas que fazem parte do ideário partidista.

Pela primeira vez o candidato a vir a ser primeiro ministro não é deputado nem exerce funções políticas, apresenta-se na sua condição de independente, mas através de VOX com o que chegou a acordo para, no seu discurso no Parlamento, evitar falar de questões como o feminismo, a emigração, as Comunidades Autónomas ou a ilegalização dos partidos independentistas, temas em que, entre as duas partes, existem frontais discrepâncias. “Não estou aqui para defender a VOX” repete Tamames quem, na que se espera sua moderada intervenção, falará de política económica, da unidade de Espanha, da defesa da Constituição e da necessidade duma maior concórdia e mais diálogo entre as forças políticas espanholas. No caso de vir a ganhar a moção, Tamames dissolverá imediatamente o Parlamento e convocará eleições gerais para finais de Maio coincidindo com as eleições autárquicas, contudo esta possibilidade aparece como mais que que remota se não mesmo nula, alguns partidos já anunciaram que não participarão no debate, o Partido Popular irá abster-se, os socialistas votarão em contra e só os deputados de VOX darão o seu apoio, ou seja, nada que seja relevante e impeça o fracasso da iniciativa. Contudo o PSOE decidiu tomar a sério esta moção de censura, Pedro Sanches não esquece que foi através duma delas que chegou ao poder e, embora não esteja obrigado, será ele quem replicará a Tamames aproveitando para defender o seu modelo de governar, compará-lo com o que propõe a direita e, de caminho, atacar ao grande inimigo, o Partido Popular, procurando mostrar a sua proximidade a VOX ao não votar em contra da moção e limitando-se á abstenção uma acusação contra a qual Feijóo, presidente do PP não se poderá defender pois, ao não ser deputado, não lhe está permitido participar no debate.

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