O físico que ‘abriu a caixa de pandora’ morreu há cinco anos

Apesar da esclerose lateral amiotrófica, e desafiando todas as probabilidades, Stephen Hawking ajudou-nos a compreender melhor o universo. Paulo Moniz, que o teve como mentor em Cambridge, fala-nos sobre os maiores contributos do astrofísico para a ciência.

Há exatamente cinco anos, no dia 14 de março de 2018, o mundo perdia uma das mentes mais brilhantes do século XXI. Stephen Hawking, o famoso astrofísico britânico, morria com 76 anos de idade, mais de 55 anos depois de lhe ser diagnosticada esclerose lateral amiotrófica. Na altura, com apenas 21 anos, os médicos tinham-lhe atribuído uma expectativa máxima entre dois a três anos de vida.

Nascido a 8 de janeiro de 1942 na cidade de Saint Albans, em Inglaterra, Hawking era o filho mais velho de um biólogo e de uma secretária de pesquisa médica. A sua formação inicial foi em Física pela Universidade Oxford, tendo obtido depois o seu doutoramento na mesma área pela universidade de Cambridge. Foi aí, numa festa de passagem de ano, que conheceu a sua mulher, Jane Hawking, uma estudante de Línguas Modernas, pouco antes de ser diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica. No seguimento da descoberta da doença, optaram por avançar rapidamente com o casamento, visto que o tempo de vida de Stephen era limitado. Mas o caso acabou por desafiar todas as probabilidades.

 

Marcos e conquistas

Paulo Moniz, coordenador do Centro de Matemática e Aplicações (CMA) na Universidade da Beira-Interior (UBI), teve Stephen Hawking como mentor no seu estudo da cosmologia quântica com supersimetria e supergravidade durante o seu pós-doutoramento no Departamento de Matemáticas Aplicadas e Física Teórica em Cambridge.

A propósito dos contributos do astrofísico britânico para a ciência, um dos primeiros trabalhos elencados pelo docente de Física da UBI é o Large scale structure of space-time escrito por Hawking em colaboração com o matemático George Ellis, que teve agora uma edição especial comemorativa dos 50 anos. «Essa obra hoje incontornável explica por meio de métodos matemáticos muito inovadores a ‘singularidade’ — origem que designamos por ‘Big-Bang’», avança Paulo Moniz. Com a demonstração de Hawking, «o Big Bang, a origem ou singularidade, adquiriu assim uma justificação genérica».

Por outro lado, no seu estudo sobre buracos negros, Hawking aproximou a relatividade geral (publicada por Albert Einstein) e a física quântica. Algo que nunca tinha sido feito de forma mensurável, pelo facto de a teoria criada por Einstein lidar com campos gravitacionais habitualmente utilizados na astrofísica (estrelas, galáxias, o universo) e a física quântica estudar sistemas físicos com dimensões bem menores, por exemplo da escala atómica. Neste sentido, o coordenador do CMA-UBI, explica como foi aberta a «caixa de Pandora», «pois o vácuo» (um domínio onde não existe matéria concreta) ou «campos de matéria, são tomados quanticamente», analisando «o espaço-tempo de um modo ainda clássico, geométrico» – e Hawking «constrói essa ponte como um desígnio para estudar mais a fundo e com afinco a gravitação e cosmologia, mas como intrinsecamente quânticos». Por outras palavras, Stephen Hawking utilizou a física quântica em áreas em que se tomava apenas a relatividade geral. Se quisermos compreender melhor o conceito de espaço-tempo, podemos imaginar uma rede que serve como sistema de coordenadas no universo. Esta mesma rede é elástica e é deformada por massas gravitacionais (planetas, estrelas) — esta deformação é o que podemos chamar de curvatura do espaço-tempo (a essência da relatividade geral).

Através deste estudo quântico, Hawking desenvolveu as ferramentas para «estabelecer que os buracos negros emitiam radiação térmica, associada com uma dada temperatura; tal como um objeto aquecido que nós podemos estudar no âmbito de física atómica, no ensino básico ou secundário, e tem cor e brilho que podemos relacionar com a temperatura», este fenómeno ficou conhecido como ‘Hawking radiation’. Quanto ao impacto para a comunidade científica, Paulo Moniz destaca que «esse resultado trouxe de novo para a perceção humana que alguém (o Hawking) podia proceder e ter sucesso tal como Newton ou Einstein», ao mostrar que «era possível e de forma quantitativa» a partir de «certos ‘observáveis’ como a temperatura, prever o que se mediria em determinados objetos (os buracos negros) e assim serem ‘observados’, por meio desta radiação ou pelo menos, consequências da sua presença de modo a confirmar a sua radiação térmica».

Em 1988, o físico Britânico publicou o livro:Uma Breve História do Tempo, que acabou por tornar-se um dos maiores best-sellers da história na área científica, tendo já vendido mais de 10 milhões de exemplares até à data. Esta obra foi feita num estilo para um público mais generalizado, o que leva o coordenador do Centro de Matemática e Aplicações da UBI a referir que se tratou de «um esforço muito grande para vender algo até nos aeroportos, como ele dizia», esclarecendo que «o livro não é científico como um manual universitário padrão, mas é científico como provendo de informação simplificada para primeiros passos. Vale para o cientista e vale para a ‘pessoa na rua’ (que não seja cientista da área)». Paulo Moniz considera que a Breve História do Tempo foi escrita «para provocar em cada um de nós e levar a pensar sobre as (nossas) origens e o que estamos aqui a fazer», concluindo «que há, no âmbito da divulgação científica, um antes e depois de alguns marcos e algumas pessoas. O Carl Sagan com a série de TV ‘Cosmos’, este livro do Hawking, idem o contributo incansável do Carlos Fiolhais. São marcos, há um antes e depois no referente à divulgação e aceitação (!) da ciência de forma socialmente ampla».

Em 2004, na continuação do seu estudo sobre buracos negros, o físico apresentou uma ideia que causou alguma controvérsia entre a comunidade científica: os buracos negros podiam quebrar as leis da física. «Escreveu antes um artigo com o título ‘Breakdown of predictability in gravitational colapse’, onde refere que na singularidade, a geometria do espaço-tempo esvanece-se».

Esta singularidade pode ser definida como uma curvatura infinita no espaço tempo onde os princípios da relatividade geral não têm aplicabilidade, que «no caso de buracos negros, está oculta por um horizonte», acrescenta o professor da UBI.

No ano de 2009, o físico britânico explorou a ideia de ‘novos universos’, algo que, de acordo com Paulo Moniz, «podemos debater e introduzir os ditos ‘wormholes’, ligando espaço-tempos de outra forma inacessíveis». Embora estejamos a falar de uma dimensão que roça a ficção científica e que até já foi explorada no cinema, trata-se de «conceitos com credibilidade para pelo menos um debate sério e cientifico». Mas não é tudo. Hawking avançou ainda com «outras teorias onde o universo será multidimensional», onde «poderá haver outras regiões quadridimensionais como a nossa (ou com semelhanças), os chamados universos ‘brana’ (de membrana)».

Após esta investigação, o astrofísico lançou em 2010 o livro O Grande Desígnio, em que aprofunda a ‘M-Theory’, uma teoria proposta em parte pelo físico Edward Witten em 1995. A ideia em causa é a unificação das cinco teorias de cordas, e a supergravidade. Para os que se perguntam sobre o significado destes conceitos, a resposta é ‘simples’. No fundo, as teorias de cordas investigam «10 dimensões que se relacionam entre si por transformações específicas» e que «podem depois relacionar-se com uma teoria de 11 dimensões, uma supergravidade».

Nestas teorias, avança o coordenador do CMA-UBI, «há particularizações como os universos ‘brana’, em configurações onde podemos ter diversos universos quadridimensionais como o nosso, quiçá nunca se constatando mutuamente (pelo menos de forma direta) mas que teriam semelhanças, mas também diferenças». Isto leva-nos à questão «por entre esta enorme potencialidade, qual é a probabilidade de o nosso universo ser único ou termos cópias ‘idênticas’?», acrescenta o professor. Segundo Paulo Moniz, as «6 perspetivas (5 cordas e a supergravidade) podem ser (didaticamente representadas) como um hexágono do qual conhecemos algo das ‘pontas’, mas pouco do interior». Ou seja, detemos algum conhecimento sobre a possível existência destas dimensões, mas sabemos muito pouco sobre o seu funcionamento e composição. «Essa descrição na sua totalidade ainda é um desafio».

Há quem veja estas investigações como meramente especulativas, mas Paulo Moniz elucida que foi a pesquisa teórica de Dirac que determinou cenários sobre matéria e anti-matéria, «o que potenciou avanços tecnológicos impressionantes para a sua verificação e manipulação» e criou tecnologia capaz de «calibrar e estabelecer feixes de partículas com elevada precisão nos dias de hoje, aplicados nos PET» (tomografia por emissão de pósitrons), um novo procedimento médico que mede a atividade do metabolismo das células e dos tecidos, capaz de detetar tumores e «salvar vidas em contexto oncológico. Mas quem o iria dizer há 50 ou 70 anos atrás?».

 

Viver com esclerose lateral amiotrófica

A enorme popularidade de Stephen Hawking ajudou a tornar conhecida uma doença de que até aí pouco se falava, a esclerose lateral amiotrófica (ELA). E o facto de ter vivido mais de 50 anos após o diagnóstico tonou-o um case study. A Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA) comenta ao Nascer do SOL que atualmente a esperança média vida de alguém com ELA, «tende a não superar um espaço de cinco anos», podendo esta perspetiva ser mais otimista caso seja feito um diagnóstico de ‘ELA primária’ (que começa por afetar a função motora), ao contrário de um diagnóstico ‘bulbar’ (que afeta imediatamente os músculos respiratórios).

Apesar de não ter havido grandes avanços no tratamento da doença, hoje em dia é feito um acompanhamento dos pacientes «com ventiladores e terapia da fala» que permite «uma melhor qualidade de vida ao doente». A associação revela que se estima haver «cerca de 1200 casos ativos de pessoas com ELA em Portugal», variando, «entre um a dois casos por cada 100 mil habitantes» e que «10% a 15% dos diagnósticos têm origem genética e a percentagem restante tenha adventos desconhecidos».

Ao falarmos de Stephen Hawking, não está em causa apenas uma mente brilhante, mas sim um símbolo de resiliência e esperança, que encarou as adversidades da vida com otimismo e por vezes com sentido de humor. Paulo Moniz refere que «a resistência, resiliência, ou palavra melhor que se aplique, dele era incrível. Supra incrível». E continua: «Ele conseguia raciocinar e ver mais longe que muitos, alguns viam além da curva, ele sabia que tinha de haver uma ponte por causa de um desfiladeiro a seguir ao deserto». Moniz lembra como Hawking aceitou participar num episódio da série, A Teoria do Big-Bang (2012), assim como nos Simpsons e Star Trek, e fala sobre «uma pessoa muito generosa, imensamente generosa». E termina com uma citação do famoso astrofísico: «Lembrem-se de olhar para as estrelas e não para os pés. Tentem encontrar um sentido para o que veem e perguntem-se sobre o que faz o Universo existir. Sejam curiosos. E o quão difícil a vida possa parecer, existirá sempre algo que podemos fazer e ter sucesso».