Ferrari e Porsche reeditam duelos antigos

O circuito de Portimão vai reeditar os míticos duelos entre as duas prestigiadas marcas do desporto automóvel. Houve corridas épicas que chegaram ao cinema através de Steve McQueen.

Por João Cena

O Circuito Internacional do Algarve continua em grande atividade. Depois do MotoGP, é a vez do Campeonato do Mundo de Endurance (WEC) passar por Portugal para a realização das 6 Horas de Portimão, segunda prova do Mundial. Para muitos pilotos a pista portuguesa é uma novidade, já os espectadores têm o aliciante de ver os novos Hypercar, uma das categorias mais espetaculares do desporto automóvel na atualidade. No Algarve vão estar em confronto protótipos com diferentes tecnologias: Ferrari, Porsche, Toyota e Cadillac apostam na solução híbrida com uma unidade elétrica 200 kW (270 cv) e uma potência conjunta de 500 kW (680 cv), a Glickenhaus e a Vanwall recorrem aos tradicionais motores V8 de combustão interna com 680 cv. Os Hypercar têm tração integral e caixa sequencial de sete velocidades. Em 2024, a Alpine e a Lamborghini juntam-se à festa.

Na pista portuguesa vão estar muitos e bons pilotos, alguns passaram pela Fórmula 1, caso de Jacques Villeneuve, campeão do mundo em 1997, Robert Kubica, Sébastien Buemi, Paul Di Resta e Jean-Éric Vergne. Os pilotos dos 37 carros inscritos têm pela frente uma corrida de seis horas, num traçado de 4,7 quilómetros com 16 curvas, numa sucessão de subidas e descidas acentuadas, onde se atingem velocidades de 330 km/h. É uma pista rápida, exigente e técnica para os pilotos e um verdadeiro teste para os carros.

Duelos com história 

A Ferrari estreou-se nas provas de resistência em 1949, com a vitória nas míticas 24 Horas Le Mans, e saiu em 1973, para se dedicar em exclusivo à Fórmula 1. Passados 50 anos está de regresso às grandes clássicas do automobilismo. ‘Vestido’ com as cores tradicionais da Ferrari, vermelho e amarelo, o novo 499P (tal como no passado, a letra P é precedida pelo número da cilindrada unitária do motor), busca a vitória na segunda corrida do campeonato. A participação está a ser aguardada com grande expectativa, pois nenhuma outra marca neste planeta tem tantos fãs como a Ferrari. Retomada a participação nas corridas de protótipos reacende-se também a rivalidade com a Porsche, que tem mais de meio século, a última vez que se defrontaram foi nas 24 Horas Le Mans, em 1973, mas ambas foram derrotadas pela Matra. A Porsche começou a desenvolver protótipos em 1966 com o pensamento em ganhar Le Mans, o que viria a conseguir pela primeira vez em 1970, sendo a marca com mais vitórias nessa prova: 19 triunfos, contra 9 da Ferrari. 

O primeiro duelo épico teve lugar nas 12 Horas de Sebring de 1970 entre os Ferrari 512 e o Porsche 908 conduzido pela estrela de cinema Steve McQueen. Mario Andretti liderou a corrida durante 11 horas, mas uma avaria na caixa de velocidade do Ferrari obrigou a equipa a abandonar. O piloto italo-americano (italiano quando ganhava e americano quando perdia) preparava-se para deixar a pista quando o diretor desportivo da Ferrari, o genial Mauro Forghieri, lhe pediu para entrar no outro carro da equipa, que estava na terceira posição, e terminar a prova. Depois, foi um festival de condução de Andretti que ultrapassou o Porsche e ganhou uma corrida que parecia perdida. Foi uma enorme demonstração da capacidade do piloto, que viria a ser campeão do mundo de Fórmula 1 em 1978 com a Lotus. 

Outro momento épico foram as 24 Horas Le Mans de 1970 que foram anunciadas como o ‘Duelo de titãs’ entre os sete Porsche 917 e os 11 Ferrari 512 S. A maior eficácia aerodinâmica e velocidade dos carros alemães garantiram à Porsche os três primeiros lugares, com vitória da equipa Richard Attwood-Hans Herrmann. O melhor Ferrari terminou na quarta posição uma das edições mais difíceis de sempre em que chegaram ao fim apenas sete das 51 equipas participantes. A batalha real entre Porsche e Ferrari ficaria imortalizada no filme de Steve McQueen, Le Mans. A produtora de McQueen inscreveu um Porsche 908 Spyder, o mesmo carro que Steve McQueen e Peter Revson levaram ao segundo lugar nas 12 horas de Sebring, que capturou imagens reais da corrida. 

Em 1971, os carros de Stuttgart continuaram a ser mais rápidos e fiáveis, o que motivou um forte ataque de Maranello. O novo protótipo 312 P apareceu no campeonato de 1972 e arrasou a concorrência. Ninguém conseguiu ofuscar a Ferrari, que só perdeu uma corrida nesse ano. Foi o canto do cisne da marca do ‘Cavallino Rampante’, pois, em 1973, decidiu abandonar as provas de resistência.

À medida que ambas as marcas iam crescendo, a Ferrari ganhou notoriedade na Fórmula 1, o que ainda hoje acontece. A Porsche, por seu lado, rapidamente descartou o mundo dos grandes prémios para se concentrar nas provas de resistência, é uma história de amor que dura há muito tempo. Embora nunca mais se tivessem cruzado em pista, as comparações, essas, continuam a fazer-se em várias áreas: performances comerciais, nível tecnológico, performances na competição e também na notoriedade através das redes sociais. É um duelo imortal.

Passadas cinco décadas reencontram-se, embora seguindo caminhos diferentes. A Ferrari construiu o chassis por medida para poder correr na categoria LMH e utiliza o sistema híbrido e o motor V6 3.0 do 296 GT3. A Porsche usa o chassis construído pela Multimatic, onde instala o sistema híbrido e o V8 4.6 biturbo do 918 Spyder seguindo os regulamentos da LMDh, que lhe permite correr no campeonato do mundo e nos EUA, a Ferrari só pode participar no Mundial.

No Algarve, vão estar outros construtores a lutar pela vitória, caso da Toyota, atual campeã mundial de Endurance com o GR010 e Peugeot, que procura regressar aos sucessos como 9X8, depois dos três triunfos em Le Mans. Com menos hipótese de vencer estão as americanas Cadillac e Glickenhaus e a equipa Vanwall.

Portugueses favoritos

Além dos Hypercar, a prova vai contar com os protótipos LMP2, com chassis Oreca e motor V8 4.2 de 600 cv, onde o atual campeão do mundo da categoria António Félix da Costa e Filipe Albuquerque são os principais favoritos à vitória. Félix da Costa vai realizar a última corrida nesta categoria, já que dentro de duas semanas, na Bélgica, vai passar para os Hypercar com o Porsche 963. A correr em casa com o carro da JOTA, quer sair em grande estilo. «Tenho sentimentos contraditórios porque é o fim de uma história com outra prestes a começar», disse ao site do WEC. O piloto acrescentou: «estar a correr em casa com uma equipa de que gosto muito é incrível». 

Em pista vão estar também os carros da categoria Le Mans Grand Tourisme Endurance derivados de modelos de série usados para uso quotidiano, e onde aparecem fantásticas máquinas como o Porsche 911 RSR, Ferrari 488 GTE, Aston Martin Vantage e Chevrolet Corvette C8.