Medicamento para dormir pode contribuir para abrandar ou parar a progressão da Alzheimer

Um comprimido para dormir pode baixar o risco de Alzheimer, reduzindo a acumulação de proteínas nocivas no cérebro, de acordo com um estudo. Cientistas da Universidade de Washington em St. Louis, no Missouri, acompanharam o progresso de 38 pessoas usando Suvorexant – um medicamento que ajuda a dormir – por duas noites. E os resultados foram positivos.

Um estudo recente examinou pacientes que estavam a tomar remédios para dormir e testou a presença de proteínas-chave da Alzheimer nos mesmos. A surpresa? Parece que os soporíferos podem contribuir para abrandar ou até mesmo parar a progressão da doença de Alzheimer. Quem o confirmou, na sexta-feira passada, num livestream, foi Brendan Lucey, professor associado de Neurologia e chefe da secção de Medicina do Sono na Washington University, em St. Louis, no estado norte-americano do Missouri.

"Os participantes neste ensaio tinham idades compreendidas entre os 45 e os 65 anos. Eles não tinham nenhuma evidência de problemas de memória ou pensamento. Medimos a qualidade do sono usando um monitor de atividade que é usado no pulso. E eles tinham evidências de que a eficiência de quanto dormiam à noite era menor. Então, eles receberam um placebo, aleatoriamente, ou uma das duas doses de um medicamento chamado Suvorexant (Belsomra) 10 ou 20 miligramas. E essas são as duas doses aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) para tratar a insónia", disse.

"O nosso objetivo é ver como esse medicamento afetou os níveis de beta-amilóide e fosforilações no fluido que está ao redor do cérebro. E essas proteínas são marcadores para a patologia da doença de Alzheimer, que são usados ​​para identificar indivíduos que podem ter alterações no cérebro consistentes com a doença de Alzheimer, e os nossos alvos para possíveis intervenções. Deste modo, queríamos ver se esse medicamento reduzia as quantidades de beta-amilóide, algo que foi demonstrado em camundongos [pequeno roedor]", sublinhou o docente nascido e criado em Burlington, no Vermont, que iniciou o percurso académico na Universidade de Vermont e tornou-se oficialmente médico na Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

"Bem, acho que o que é empolgante nesse estudo e nesses resultados é que o Suvorexant é aprovado pela FDA para o tratamento da insónia. E está no mercado desde 2015. E, por isso, já tem muitos dados de segurança disponíveis. A FDA também tem uma indicação adicional de Suvorexant para tratar a insónia em indivíduos com doença de Alzheimer leve a moderada. Portanto, embora seja uma substância controlada, em contraste com outras que foram investigadas como drogas e intervenções potencialmente modificadoras, o perfil de segurança já é bem conhecido", declarou o profissional de saúde que, após ter completado o Ensino Superior, realizou a residência em Neurologia na Washington University e arrecadou uma bolsa de estudos em neurofisiologia clínica no Brigham and Women's Hospital.

"Este é um teste muito pequeno. Mas uma importante prova de conceito e temos financiamento para testes adicionais que estão em andamento agora, onde responderemos a algumas perguntas importantes. Primeiro, vemos mudanças semelhantes nesses biomarcadores ou nessas proteínas, quando esses medicamentos são administrados por meses? Essa é uma pergunta que temos. Então, dando períodos de tempo mais longos, vamos testar algumas doses diferentes dessa classe de medicamentos para ver. Por exemplo, se dermos 10 miligramas de um medicamento, veremos um efeito muito maior numa dose mais alta. E também estamos a olhar para indivíduos que são cognitivamente inalterados. Eles não têm nenhum problema de memória e pensamento, mas têm evidências de biomarcadores de patologia amiloide", evidenciou Lucey, que, entre os anos de 2008 e 2012, prestou serviço na Força Aérea dos EUA e depois ingressou no Departamento de Neurologia da Washington University.

"Portanto, esses participantes eram biomarcadores negativos. Não os rastreámos para realmente entrar no estudo, mas sabemos que eles não têm evidências de deposição de amilóide com base nesses marcadores. Mas, na verdade, queremos recrutar pessoas que a tenham. E para ver se vemos mudanças semelhantes, o que sugere que estudos maiores em potencial poderiam ser feitos como uma prevenção secundária para a doença de Alzheimer", explicou o investigador cujos interesses de pesquisa se concentram no sono, envelhecimento e doença de Alzheimer, sendo que o seu laboratório se foca no estudo do potencial das intervenções do sono para prevenir ou retardar o aparecimento desta patologia.

"Acho que, do ponto de vista da prevenção, o mais cedo possível, certos problemas podem ser identificados. Problemas que afetam o risco de doença de Alzheimer e também uma boa saúde geral devem ser intervencionados, como tensão arterial alta e problemas de sono como apneia obstrutiva do sono. Muito disso, os estudos para intervenções ao longo de décadas são obviamente muito desafiadores, se não impossíveis de serem financiados. Há dados que mostram que distúrbios do sono muito precoces, digamos na meia-idade, foram associados a um risco aumentado de ter comprometimento cognitivo ou demência até 25 anos depois. E, então, se alguém tem insónia ou apneia obstrutiva do sono, tratá-la assim que for identificada… Tem o potencial de realmente mudar o perfil de risco e permitir que se siga em frente", realçou, sendo importante lembrar que cerca de 153 milhões de pessoas no mundo terão demência em 2050, ou seja, quase o triplo que havia sido estimado para 2019 – 57 milhões.

Esta foi uma das conclusões publicadas num estudo divulgado na publicação científica The Lancet Public Health, que adianta estimativas do número de adultos com 40 ou mais anos a viverem com demência em 204 países ou territórios diferentes, comparando os anos de 2019 e as projeções de 2050. De acordo com este documento, são quatro os principais fatores de risco: tabagismo, obesidade, hiperglicemia (excesso de açúcar no sangue) e escolaridade baixa. Em Portugal, serão 351 504 pessoas com demência em 2050, menos do dobro do número previsto para 2019, 200 994. Sabe-se que o tipo mais comum de demência é a Alzheimer que, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, representa 50 a 70% dos casos.

"Acho que as pessoas precisam de se permitir ter tempo suficiente para dormir. A maioria das pessoas precisa em média de sete, sete horas e meia para dormir sem interrupções, com um bom ambiente de sono com temperatura mais baixa e escuridão, dormindo à noite, e não durante o dia. E quando digo às pessoas que se o sono é um problema e está a afetar o quotidiano delas… Quando estão muito cansadas para trabalhar ou para fazer coisas que realmente querem fazer… Digo-lhes sempre que têm de verificar aquilo que se passa", adiantou, rematando: "Se elas estão a ter insónia e dificuldade em manter o sono à noite, se elas têm sintomas de distúrbios do sono, como apneia do sono, ronco e pausas na respiração durante o sono, estas questões devem ser investigadas. E tratadas. E eu entendo isso neste momento. Esse é realmente o melhor conselho que posso dar", concluiu.

Em 2019, 6.275 mortes, em Portugal continental, foram atribuídas à demência. Destas, 1.629 diziam respeito à doença de Alzheimer. Estes dados foram apurados a partir dos certificados de óbito na Plataforma da Mortalidade da Direção-Geral da Saúde, pela equipa que levou a cabo o estudo sobre custos anuais com a Doença de Alzheimer (que se estima que ascendam a 1% do PIB).