A porcaria da pandemia, e eu nem posso queixar-me muito do estado forçado de recolhimento já que foi dividido entre Alcácer do Sal e o Montalvo onde o meu mano Francisco Febrero (por extenso Xitó) estava por sua vez confinado e, ali, entre a minha casa e a dele – com almoços dominicais no jardim da Dália e do Fernando -, afastou-me tanto do cinema que nos últimos tempos escrevo bem mais sobre ele do que ponho os pés numa sala. Enfim, com cantava Alcione «São coisas do mundo/Retalhos da vida/São coisas de qualquer lugar/Mas se eu fico mudo/Esse mundo imundo/É capaz de me tentar mudar». Insisto comigo mesmo e não mudo. Já vos falei de Pelota de Trapo e de Pelota de Cuero, que têm em comum Armando Bó. A tarefa prolonga-se…
Bó, que morreu com apenas 61 anos em outubro de 1981, foi um mamífero interessantíssimo para quem gosta de personagens do género. Ao contrário do que aconteceu com a grande maioria dos seus amigos de infância era apaixonado pelo basquetebol, jogou durante alguns anos no Sporting Club de Villa Ortúzar, e atirou o futebol para um papel secundário. Mas argentino que é argentino não resiste ao chamado da pelota. Quando tomou o caminho do cinema, fazendo de tudo um pouco – ator, guionista, compositor e, acima de tudo, diretor – não resistiu a ter um papel fundamental em dois filmes que tiveram o futebol como pano de fundo: Pelota de Cuero e Pelota de Trapo. Mas não foi por eles que ganhou fama. Na verdade a grande revolução que Armando Bó trouxe para o cinema argentino foi a nudez. Nunca ninguém se tinha atrevido a tanto e aqueles que se atreveram a andar lá por perto foram marcados pelas comissões de censura. Mas El trueno Entre las Hojas, de 1957, deixou a malta de boca aberta, e muito a aguar, pelo descaramento de uma das suas atrizes preferidas, Hilda Isabel Gorrindo Sarli, que não se fez rogada em surgir num espetacular nu integral e frontal. Hilda não era nada de se deitar fora, bem pelo contrário, chegou a ser miss Argentina e Miss Mundo, pelo que as filas para a verem sem nada que lhe tapasse as partes pudendas davam a volta aos quarteirões vizinhos das salas de cinema nas quais o filme foi exibido. Armando não resistiu a ser apenas o homem atrás da câmara. Vendo bem, como responsável pela obra, não perdeu a hipótese de ser igualmente ator e dividir algumas cenas com a extremamente sexy La Coca Sarli, como todos a conheciam. Levante o braço aquele que o acuse de mau gosto.
Bó ficou permanentemente ligado a filmes eróticos. Mas a sua grande amizade com o jornalista desportivo uruguaio Ricardo Lorenzo Rodríguez, que emigrou para Buenos Aires onde se transformou numa pena implacável no jornal El Gráfico assinando com a alcunha de Borocotó, atiraram-no para os braços da filmografia ligada ao futebol sul americano. Mas não só. Em 1950, um argentino fascinava o universo não pela forma como dominava uma bola com uma técnica inimitável mas sim como se tornara um fantástico ás do volante. O seu nome era Juan Manuel Fangio. E ficou para a eternidade. No dia 27 de outubro de 1950, no pomposo Cine Ocean, estreou-se Fangio – El Demonio de Las Pistas. Deu brado. Não tinha La Coca Sarli nuazinha de fazer dó, mas contava com outras duas atrizes de beleza indiscutível embora infelizmente vestidas – Eva Dongé e Ivonne de Lys. Armando Bó fazia o papel de Fangio, está claro, e muitas das cenas foram filmadas em Monza, Itália, cabendo ao próprio Fangio protagonizar um prólogo.
Juan Manuel Fangio será para sempre um mito que saltou o risco branco de giz das lendas e se tornou muito mais do que um nome. Não vale a pena discutir quem foi o maior piloto de sempre de Fórmula 1. Porque foi Fangio e ninguém terá tido a protérvia de querer comparar-se com ele. Curiosamente, quando El Demonio de las Pistas encantou os espetadores argentinos, Fangio ainda não havia sido campeão do mundo e limitara-se a ser, nesse ano, segundo classificado do Mundial que foi, ainda por cima, o primeiro de todos até então e conquistado pelo italiano Emilio Giuseppe Farina conduzindo um Alfa Romeo. Apesar disso não restavam dúvidas que Juan Manuel seria em breve o maior de todos e a profecia confirmou-se com os títulos mundiais de 1951, 1954, 1955, 1956 e 1957 (tendo sido segundo em 1953). Nino Farina não teve outro remédio se não aceitar, no ano seguinte, ser o segundo piloto da marca atrás de Fangio, valendo-lhe de pouco acenar a bandeira de campeão mundial.
El Demonio de las Pistas não teve moças desnudas. Mas não foi preciso esperar muito para que La Sarli se despisse outra vez com Bó a dirigi-la. La Sarli e não só. Definitivamente Armando divertia-se mais com outro tipo de cenas e convenceu muitas raparigas a mostrarem as intimidades. Convenhamos que a nudez de Fangio não devia ser, provavelmente, muito chamativa. Não seria por ela que venderia mais bilhetes…