Andy Rourke. O baixista que completou o puzzle que eram os Smiths

O antigo baixista dos Smiths, Andy Rourke faleceu,aos 59 anos, de cancro pancreático, revelou, na passada sexta-feira, o antigo colega de banda, Johnny Marr. Recordamos a vida do músico, desde a infância conturbada, aos problemas com substâncias ilícitas ao seu amor pela música.

No meio de tantos momentos deliciosos na carreira dos Smiths, com as inspiradas letras e vocalizações de Morrissey ou as virtuosas linhas de guitarra de Johnny Marr, e de outras tantas polémicas que mancham a reputação da banda, entre as controversas alegações do vocalista e um processo em tribunal entre os vários membros da banda após esta ter acabado, às vezes pode ser fácil esquecermo-nos que, no centro disto tudo, esteve sempre Andy Rourke a embalar-nos com as suas linhas de baixo.

Estamos agora a recordar o baixista porque faleceu de cancro pancreático, aos 59 anos, revelou ao mundo, para grande tristeza dos fãs da banda de Manchester, Johnny Marr, na passada sexta-feira.

“É com profunda tristeza que anunciamos a morte de Andy Rourke após uma longa doença com cancro pancreático. Andy será lembrado como uma alma gentil e bonita por aqueles que o conheceram e como um músico extremamente talentoso pelos fãs de música. Pedimos privacidade neste momento triste”, escreveu o guitarrista dos Smiths nas suas redes sociais.

Rourke nasceu em Manchester, a 17 de janeiro de 1964, sendo um de quatro filhos de um pai irlandês, Michael, um arquiteto, e de uma mãe inglesa, Mary. Este era o único membro dos Smiths que não tinha descendência totalmente irlandesa.

Aos sete anos, os seus pais compraram uma guitarra iniciando assim a ligação do jovem, na altura fã de Rolling Stones e de Neil Young, com a música, contudo, este viria a entrar nuns tempos conturbados com a sua família, depois da separação dos seus pais e da sua mãe mudar-se para Maiorca.

Rourke tinha apenas 11 anos e, como fuga a um ambiente por vezes violento no seio da sua família, este refugiava-se na música e também nas drogas, um vício que se veio a descarrilar com o passar do tempo.

Contudo, foi também com esta idade que Rourke conheceu John Maher (que mais tarde viria a adotar a alcunha de Marr) formando uma forte amizade. Aos 15 anos, o guitarrista chegou a mudar-se para casa do futuro baixista dos Smiths, vivendo com ele e os seus três irmãos.

Os dois futuros músicos eram inseparáveis e estavam sempre a tocar guitarra juntos. Foi Marr que sugeriu que Rourke deveria aprender a tocar baixo, uma proeza que alcançou ao acompanhar as músicas do disco Low (1977) de David Bowie. 

Juntamente com Simon Wolstencroft, futuro baterista dos The Fall, estes músicos formaram os Freak Party, contudo, a banda não durou muito tempo, com Marr a sentir-se pouco interessado em explorar os ritmos mais funk que a banda estava a seguir. 

Depois desta experiência, Marr e Morrissey viriam a formar os Smiths, em 1982. Apesar de não ter sido considerado inicialmente para o grupo, nesse mesmo ano, Rourke passaria a ser o quarto elemento da banda, formando a secção rítmica com Mike Joyce.

“Os Smiths gravaram a sua primeira demo com a formação clássica no final daquele ano, onde estavam canções como What Difference Does It Make? que definiu o som central dos Smiths: vocais atrevidos de Morrissey, a guitarra principal complexa e vibrante de Marr e uma secção rítmica estridente e tecnicamente brilhante entre Rourke e o baterista Mike Joyce, com o baixista em interação melódica com Marr – em faixas como Barbarism Begins at Home – que tinha liberdade para tocar solos de baixo com influência de funk”, descreve o Guardian no obituário do músico.

Foi com este som que, ao longo dos anos 1980, durante apenas 1982 e 1987, os Smiths conquistaram a cena do rock alternativo, lançando quatro álbuns clássicos que influenciaram inúmeras gerações de artistas, The Smiths (1984), Meat Is Murder (1985), The Queen Is Dead (1986) e Strangeways, Here We Come (1987).

Durante este período, o baixista teve graves problemas com a sua dependência da heroína, o que o levou a ser afastado do grupo, em 1986, contudo, apenas duas semanas depois, este foi reintegrado no grupo. 

“Começas a ganhar muito dinheiro e não sabes o que fazer. Por isso, começas a gastar em drogas”, disse Rourke, numa entrevista, anos mais tarde.

Em 1987, Marr anunciou que iria abandonar a banda, algo que empurrou os Smiths para o seu inevitável fim e conduziu, dois anos depois, a uma amargurada luta no tribunal.

Rourke e Joyce processaram Morrissey e Marr porque pretendiam receber a mesma quantidade de direitos de autor que estes dois, tendo o baixista e baterista ganho apenas 10% de cada performance do grupo e de royalties de gravação. 

O baixista acabou por concordar, rapidamente, em receber uma quantia fixa de 83 mil libras, mas o baterista levou o processo para a frente e acabou por receber cerca de um milhão de libras em royalties retroativos e 25% depois disso. Em 1999, Rourke viria a entrar em falência.

Rourke chegou a tocar no projeto a solo de Morrissey, em músicas como The Last of the Famous International Playboys e Interesting Drug, (algo que criou feridas na sua relação com Marr) e em projetos como Badly Drawn Boy, Blitz Vega, banda que formou com Kav Sandhu dos Happy Mondays, The Pretenders, Ian Brown e, em 2007, formou uma banda chamada Freebass com outros dois baixistas icónicos, Peter Hook, dos Joy Division e dos New Order, e Mani, dos Stone Roses.

Após a notícia da sua morte, os seus antigos colegas de banda rapidamente vieram prestar as suas homenagens. 

“Às vezes uma das coisas mais radicais que podemos fazer é falar de forma clara. Quando alguém morre, surgem logo os elogios de sempre… como se a morte desta pessoa estivesse ali para ser usada. Eu não estou preparado para fazer isso com Andy. Eu só espero… para onde quer que Andy tenha ido… que ele esteja bem”, escreveu no seu site pessoal, Morrissey.

“Ele será imortal enquanto a sua música for ouvida. Ele nunca soube de seu próprio poder, e nada do que ele tocou foi tocado por outra pessoa. Ele tinha um estilo distinto tão incrível e pouco convencional e ele provava que isso poderia ser feito. Ele também era muito, muito engraçado e muito feliz, e depois dos Smiths, manteve uma identidade constante – nenhum movimento fabricado. Eu acho que, no fim das contas, esperamos sentir que tivemos o nosso valor. Andy não precisa se preocupar com isso”, confessou.

“Éramos melhores amigos, íamos a todos os lugares juntos”, lamentou Marr. “Quando tínhamos 15 anos, mudei-me para a casa dele, com ele e os seus três irmãos e logo percebi que o meu companheiro era uma daquelas pessoas raras que são impossíveis de não gostar. Andy e eu passamos o tempo todo a estudar música, a divertirmo-nos e a trabalhar para nos tornarmos os melhores músicos que poderíamos ser”, escreveu o guitarrista.

 “Foi um privilégio absoluto observá-lo a tocar aquelas linhas de baixo deslumbrantes, era algo genuinamente belo de se ver. Mas um episódio que me vem sempre à mente foi quando me sentei ao lado dele na mesa de mixagem, vendo-o a tocar baixo na The Queen Is Dead. Foi tão impressionante que eu disse para mim mesmo: ‘Nunca me vou esquecer deste momento’”, recordou o amigo.