A viagem entre Port-of-Spain, na ilha de Trinidad, e Scarborough, em Tobago, é de três horas num ferry confortável como poucos e que anda suficientemente devagar para que vamos apreciando os contornos de Saint James, Point Gourde, e as ilhotas de Chacachacare e Monos, portões de entrada daquilo a que chamam Bocas del Dragón, o verde das árvores da borracha e das casuarinas que se atiram com brusquidão pelas encostas e mergulham num azul tão brilhante que se torna impossível de descrever. Se Port-of-Spain já exibe, com orgulho, meia dúzia de arranha-céus espelhados (não tão altos quanto isso), acompanhando a moda que se implantou nos países do Golfo Pérsico, Scarborough é uma terriola desengraçada onde não se consegue dar uma dentada em nada melhor do que um seco frango assado há horas apesar de, depois de tomarmos a Winward Road em direção a norte, podemos finalmente entrar naquelas praias de areia branca que são tão boas para postais como para escurecer um pouco o coiro já amolecido de tantos e tantos quilómetros de avião, carro e barco. Podemos, por outro lado, atravessar Orange Hill, pasar por Arnos Valley e Plymouth e descer até à baía de Fort James. Se Trinidad é uma ilha cheia de altos e baixos – o ponto mais alto do país é o El Cerro del Aripo com 940 metros de altitude (ou será de altura?), a sua irmã gémea mais pequena, Tobago, prima por ser mais lisa.
Acho que, até dois rapazes idos desta parte para jogarem na Académica pela mão do meu amigo To-Zé Francisco, os portugueses pouco ligaram a Trindade e Tobago. Mas nem todos. Entre 1834 e 1975 um caterva de madeirenses foi à procura de melhores condições de vida num par de ilhas que, tirando a areia branca, nada devem à deles. Os açorianos vieram depois. Uns e outros eram, na maioria, judeus, e nomes portugueses são ainda fáceis de encontrar na comunidade marrano do país. Parece que, ao todo, terão sido cerca de dois mil. Mas eu, se fosse a si, não me fiava nas contas. Depois seguiu-se um acordo económico com a Inglaterra no qual os ingleses se obrigavam a contratar uma primeira leva de 250 madeirenses para trabalharem nas ilhas, seguida de outra, posterior, de 773 – não admira, portanto, que encontremos, aqui e ali, casas de comercio chamadas Ferreira ou Fernandes. E sobretudo duas associações com peso na comunidade local: a Associação Portuguesa Primeiro de Dezembro e o Portuguese Club.
Os anos 50 foram fervilhantes para o futebol tobaguenho – a pesar de Trinidad ser a maior das ilhas, os habitantes são geralmente referidos como os da ilha mais pequeña. Sobretudo quando, em Agosto de 1953, uma seleção de jogadores de Trindade e Tobago embarcaram no SS Golfito em direção a Inglaterra para fazerem uma digressão na qual pudessem mostrar a qualidade do seu futebol. No dia 24 de agosto o navio atracou no porto de Southampton. Estavam agendados 13 encontros contra equipas mais de pacotilha, como aconteceu com o Dorset, na estreia, derrota por 3-7. Ninguém estava à espera de muito melhor. Afinal era a primeira vez que uma equipa de Trinidad e Tobago abandonava o conforto morno aqui das suas ilhas para jogar no estrangeiro.
Apesar de tudo, os tobaguenhos tinham a sua dose de orgulho e não estavam para fazer figura de bacocos em todos os jogos. Por isso, na segunda partida, contra o Somerset, tiraram-se das suas tamanquinhas e trataram de ganhar por 1-0 para enorme alegria do grupo de aventureiros que fora deste lado do Atlântico onde me encontro. O golo foi marcado por Matthew Nunes, um filho de portugueses, habitual titular da seleção e que era tão considerado na região que foi chamado por diversas vezes à Seleção das Caraíbas que se juntava de vez em quando para jogar sobretudo com os Estados Unidos e México, ou com seleções de países da América Central.
No total, os tobaguenhos realizaram 14 jogos entre os dias 16 de agosto e 10 de outubro. Naquele tempo uma digressão era um caso sério, no verdadeiro sentido do termo. Perderam frente ao Blackburn Rovers (o adversário menos pindérico) por 1-4 e face ao Lovell’s Athletic (1-2), Barnstaple Town (1-2), Plymouth Argyle (0-3) e Corinthian League (2-4).
Andrew Delapruche, um poeta tobaguenho, escreveu certa vez: «Absolutely nothing stops the pipeline/it penetrates all ways of life/all borders, all villages & towns/the pipeline kills everything in its path if it dare stand in the way/of its progress/with black gold funneling back to the/land of the free». De repente, os homens da terra da gente livre, rebelaram-se: venceram o Ilfracombe Town (2-1), o Torquaay United (4-0), e a Seleção da Cornualha (6-3 e 4-2). Imparáveis como o pipeline Mattew Nunes foi dos melhores e marcou cinco golos. Mas o herói de Trindade e Tobago também tinha sangue português: Joey Gonsalves, filho de açorianos, guarda-redes e capitão de equipa. Deram-lhe a alcunha de Curry Man. O Homem-Caril cujas defesas faziam crescer água na boca…