por Rodrigo Moita de Deus
Consultor
«Deixemo-nos de léxicos pomposos»*
Por estes dias foi breve notícia um movimento de magistrados e advogados que pediam o fim da ‘cultura de excesso’ na justiça. E textos ‘mais sintéticos’. Só quem nunca pegou num acórdão ou leu um recurso é que pode ter dúvidas sobre a necessidade da iniciativa. Não há prosa, em formato de email, requerimento ou parecer, sem detalhe queirosiano e sofisticação camoniana. Na justiça faz-se arte do corriqueiro e exceção do vulgar. Mister passado e requintado de geração em geração. Há uma pérfida felicidade na ideia de que o outro possa não estar a perceber o que nós estamos a dizer. Todos sabemos que complexidade é sinónimo de inteligência.
Este amor dos escribas à demonstração de talento até podia ser motivo de júbilo, não se desse o caso de ser transversal a toda a administração da coisa pública. Entre a invocação de decretos-lei e a elegante letra, damos como normal a ideia de receber uma notificação das finanças e passá-la diretamente para um advogado ou contabilista para a devida tradução. Sim. Pagamos a terceiros para que nos traduzam aquilo que os serviços nos estão a mandar fazer. Pagamos para que alguém faça a intermediação da nossa relação com o Estado.
Como também é normal esperar dois ou três meses pelo parecer que vai interpretar a lei que foi hoje publicada em Diário da República. O próprio legislador espera pela interpretação das suas palavras. E aceita essa interpretação. Tudo isto é tão ‘normal’ que não é tema. Partimos do princípio que é mesmo assim.
A burocracia semântica podia ser uma simples questão de folclore. Um pormenor divertido. Mas não é. Tem consequências. A primeira é a desresponsabilização, total e absoluta, dos serviços na codificação da linguagem. E quando os serviços se desresponsabilizam, não servem. A segunda é o consumo infindável de horas e recursos nestes jogos florais. A terceira, e mais importante, é o afastamento dos cidadãos. Os serviços não servem. E nós vivemos o nosso dia-a-dia ‘apesar’ disso.
O regresso do menino guerreiro
Esta é a semana do regresso de Pedro Nuno Santos ao parlamento. Para deleite da nossa ‘bolha’ que assim tem mais uma coisa para se entreter. Todos sabemos que o tema de conversa preferido dos políticos é a política. Podia ser ‘políticas’. Mas é a política. Sucessão, não sucessão. Candidato, ou não candidato. Com capas de revistas que anunciam o regresso do ‘rebelde’. E assim é fácil esquecermo-nos. Do que aconteceu realmente. Estamos a falar do mesmo político obrigado a demitir-se quando foi apanhado a mentir em funções e sobre o exercício das suas funções.
Se Pedro Nuno Santos fosse diretor de um qualquer banco, precisaria de um certificado de idoneidade emitido por um regulador independente (o Banco de Portugal). Se Pedro Nuno Santos fosse diretor de um qualquer banco estaria proibido de exercer funções. Somos mais exigentes com os diretores do BCP do que somos com os nossos políticos.
*saudosa expressão do saudoso Carlos Carvalhas.