A visita de Sua Inconveniência

Se o Papa Francisco gosta de futebol, o Vaticano tem uma seleção que joga a brincar e perde a sério…

Nos bons velhos tempos, os Papas nunca saíam de Roma. Tinham mais que fazer. Andavam embrulhados em golpes palacianos, tinham amantes como qualquer padre de província, mandavam matar-se uns aos outros, a dita Santa Sé de santa não tinha nada e até bacanais se organizavam à sombra da Cruz de São Pedro. Depois apareceu um Papa que não gostava de ficar em casa. Chamava-se Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini mas quando foi eleito pelo concílio cardinalício contentou-se em ser Paulo VI, algo que dá muito mais jeito a quem resolve escrever sobre ele. O bom Giovanni decidiu que os seus antecessores eram uns preguiçosos, sempre sentados naquele cadeirão com os seus sapatinhos vermelhos que parecem saídos d’O Feiticeiro de Oz, e desatou a palmilhar o mundo, talvez para ter a certeza de que era redondo, e bem sabemos todos como a revelação de um tal de Nicolau Copérnico fez rabiar as cabeças ocas de muita gente ligada à Santa Madre Igreja. Foi o primeiro Papa a andar de avião e viva o velho! Um dia resolveu vir a Portugal mas o sr. António de Santa Comba andava esquerdo com o Vaticano que não condenara a invasão de Goa – a Roma do Oriente – pelos soldados da União Indiana e aplicou-lhe o castigo de não pisar solo lisboeta e ser obrigado a ir direto para o aeródromo de Monte Real e daí para Fátima sem ter uma luzinha sequer da bela luz da capital. Parece que apesar da desfeita, Sua Santidade usou liberalmente da sua capacidade de perdoar e até teve uma conversa com o nosso velho António soltando o chiste de lhe dizer, cara a cara, que não iria, no seu discurso, tratá-lo por Sua Eternidade. Isto tudo passou-se em 1967, mês de maio, comemorações dos 50 anos das aparições da Nossa Senhora aos três pastorinhos, essa pungente história que nos era impingida logo na segunda classe e até nas aulas de catequese às quais, por sinal, chumbei redondo. Rodeado por fiéis na Cova da Iria, Paulo VI resolveu também não falar das visões das criancinhas. Dá quase vontade de perguntar o que é que veio cá fazer, mas enfim, aturou a companhia da irmã Lúcia que, como todos sabemos, não abria a boca se não para comer e bocejar, e só se dignou a falar ao ouvido de João Paulo II muitos anos depois.

 

Se Paulo VI tentou brincar com a eternidade do Exmo. Presidente do Conselho, também muitos de nós estaremos tentados a fazer pilhérias com a visita bastante incomodativa deste Papa Francisco que pôs Lisboa num sino, cortou ruas e avenidas, encheu a Avenida da Liberdade com contentores de sanitas para que os jovens de todo o mundo pudessem cagar em Portugal tal como os viajantes do Comboio de Serviço de Bertolt Brecht cagavam na Alemanha. Diz-se que há por aí milhões de moços meio enlouquecidos para poderem avistar, nem que seja pelo canto do olho, o velhinho vestido de branco ou as vidraças do papamóvel, e eu, de longe, acredito piamente já que antes dele chegar já tinha feito a maleta e pirado para Águeda que é uma terra onde nunca nenhum Papa ousará por os pés. Daqui contemplo serenamente o caos lisboeta. Sua Incomodidade arranjou maneira de gente com vontade de trabalhar fosse impedida de ir até aos locais de trabalho e ofereceu aos mais calaceiros motivos de sobra para fazerem nenhum. Pouco importa que isto seja, na verdade, uma grandessíssima estucha, como diria o Alencar do divino Eça, e nos dê vontade de andar de igreja em igreja a trocar as cruzes pelos trapézios. Bem à portuguesa, faz-se a festa, come-se um pão com chouriço com uma malga de tinto e ande lá o seu compadre que isto sim é confraria e tudo o resto chinfrineira.

 

O Papa Francisco caiu no goto de muitos por gostar de futebol e ser adepto do San Lorenzo de Almagro, lá num bairro da sua Buenos Aires natal onde o registaram à nascença com o nome de Jorge Mario Bergoglio. Prometeu preocupar-se com a miséria da América Latina e vai cumprindo a sua palavra ao mesmo tempo que deixa Lisboa parecida com a Cidade do México. Já nos esquecemos que também houve um Papa guarda-redes, Karol Józef Wojtyla, dito João Paulo II, que na sua infância fazia questão de jogar na equipa dos judeus contra os cristãos nas ruas de Wadowice até que os nazis deram cabo das equipas de judeus. Jósef era católico e safou-se. Continuou a gostar de futebol. E, na sua função pontifícia revigorou a tradição do jogo na Santa Sé. Muita gente pode não saber, mas o Vaticano tem uma seleção nacional – Selezione di Calcio della Citá di Vaticano. Com uma população de cerca de 900 pessoas, os selecionados são recrutados a torto e a direito por entre diversas profissões: guardas, carteiros, funcionários e, sobretudo, na Guarda Suíça, o que não deixa de ser um bocado contraditório. Enfim… fosse esse um dos problemas do incomodativo Papa Francisco, com tanta porcaria que por lá tem campeado ultimamente. A primeira vez que a seleção do Vaticano entrou em campo foi em 1985, defrontando um aglomerado de jornalistas austríacos. Vitória abençoada por 3-0. Daí para cá a atividade foi diminuta: três jogos contra o Principado do Mónaco (um empate e três derrotas), um contra São Marino (0-0), uma vitória estrondosa frente aos Carabinieri de Roma (9-1), uma derrota impiedosa perante o Borussia Mönchengladbach (4-21), e outra à conta da palestina (1-9). Nada mais. Não se pode dizer que seja uma atividade frenética. Mas é assim que as coisas se passam na Santa Sé per omnia seculae seculorum. De tal maneira que, uma vez, perguntaram a Pio XI quantas pessoas trabalhavam no Vaticano. E ele, sem pensar muito, afirmou: «Cerca de metade».