Restauração. Preços escandalosos causam polémica na Europa

Turistas  queixam-se de taxas extra aplicadas por dividirem refeições. Daniel Serra, presidente da associação PRO.VAR, diz que prática é legal e serve para fazer face aos custos em mão-de-obra e matéria-prima.

Os preços excessivos no setor da restauração em zonas turísticas têm dado que falar este verão. Os relatos vão desde taxas para dividir uma refeição a cauções para reservar mesa, ou ainda incentivos a gorjetas astronómicas.
 
Em Itália, vários casos têm chegado à imprensa local. No início de agosto, o jornal La voce di Alba dava conta de uma situação em Cuneo, uma cidade da região de Piemonte, no norte do país, onde um restaurante cobrou 1,50 euros a dois clientes pela utilização de duas colheres para partilhar uma sobremesa de cinco euros. 
 
A mesma publicação recordava outro caso semelhante num bar junto ao Lago di Como, na região da Lombardia, onde foi cobrado um extra de dois euros depois de dois clientes terem dividido uma tosta. Os responsáveis do estabelecimento justificaram o valor com o facto de ter sido usada loiça extra e ocupada uma mesa para duas pessoas, apesar de só uma pessoa ter pedido comida.
 
Outro casal pagou dois euros em Finale Ligure, cidade costeira no Golfo de Génova, por pedir um simples pires vazio.
 
Mas não é só em Itália que esta prática está a acontecer. A publicação digital NiT relata um episódio de um português de férias em Cáceres, na região de Estremadura, Espanha, que teve de pagar uma valor extra por dividir um menu pelas filhas de quatro e seis anos.
 
“Almocei um dia numa esplanada na praça central e pedi dois menus completos, com primeiro e segundo prato, sobremesa e bebida para mim e para a minha esposa. Tenho duas filhas pequenas que não iam comer um menu completo, por isso pedimos para partilhar os nossos com elas. E, no fim, acrescentaram um extra ao valor final por isso”, contou, esclarecendo que foi informado sobre a taxa extra antes de a comida chegar à mesa. 
 
“Perguntei se podíamos partilhar o menu com as crianças, e responderam que sim, mas teríamos de pagar mais”, cita a mesma publicação.
 
Além da taxa que o restaurante cobrou por ter de “colocar mais dois pratos” na mesa, cada menu custou 16 euros, mais o cesto de pão e uma garrafa de litro e meio, o casal acabou a pagar um total de cerca de 50 euros pela refeição.
 
Partilhar entradas e sobremesas pode ser um hábito comum e a cobrança de uma taxa extra por isso até pode parecer algo absurdo aos olhos dos clientes, mas o presidente da Associação PRO.VAR – Promover e Inovar a Restauração Nacional considera que essa prática é “legal” e “legítima”.
 
“Quando é criado um modelo de negócio de um restaurante, conta-se com uma receita por pessoa ou por cadeira. Quando essa receita fica prejudicada com práticas como a questão da partilha, os empresários têm que arranjar formas de assegurar pelo menos um valor mínimo de receita”, explica em declarações ao i.
 
Daniel Serra admite que cobrar por uma colher extra é “exagerado”, mas diz já fazer sentido exigir uma taxa pela partilha de sobremesas individuais, por exemplo. Nesses casos, ressalva, o cliente tem que ser avisado e esse valor deve constar na tabela de preços.
 
“Se essa divisão for feita previamente pelo chef ou por outro trabalhador na cozinha, obviamente que há ali um acréscimo de mão-de-obra. E, normalmente, quando sai já dividida, já sai com um acabamento semelhante à sobremesa original. Ou seja, há também um acréscimo de matéria-prima. Então, naturalmente, fará sentido cobrar por essa duplicação de custos”, justifica.
 
Na opinião do presidente da PRO.VAR, partilhar um prato é cada vez mais comum em resultado de uma contenção de custos generalizada por parte do consumidor “por força do poder de compra ter baixado bastante”.
 
“Mas tem que haver aqui um equilíbrio. As matérias-primas subiram muito, 20, 30, 40% este ano, foram valores muito altos. Os ajustamentos de preço muitas vezes não são suficientes, até porque se subirem muito afastam-se os clientes. É um equilíbrio muito difícil de se encontrar, mas naturalmente são sempre pequenas formas de garantir o mínimo de sustentabilidade do negócio”, defende.
 
E os portugueses estão recetivos a pagar estes custos extra? “A primeira reação dos portugueses é a crítica, pelo menos daqueles que não entendem as dinâmicas dos restaurantes. Mas depois se a experiência for justa, mesmo com esse valor, o cliente acaba por aceitar”, salienta Daniel Serra.
 
 
 
Consumos mínimos de 5 mil euros
A par da inflação, o setor da restauração tenta ainda recuperar dos prejuízos causados pelo período da pandemia de covid-19. E, com a retoma do turismo, muitos estabelecimentos encontraram estratégias para redobrar lucros. 
 
Saint-Tropez, na Riviera Francesa, tem sido foco de polémica agora que os restaurantes começaram a selecionar a clientela em função do peso da carteira. Aqui as táticas do velho Big Brother são utilizadas para o sistema de reservas de restaurantes. Gastou pouco numa visita anterior ou deixou uma gorjeta pequena? “A resposta é que o restaurante está cheio até ao final de agosto”, conta uma habitante local ao jornal Var Matin.
 
Nas últimas semanas, a imprensa local tem sido inundada com relatos de várias estratégias utilizadas pelos estabelecimentos daquela exclusiva cidade costeira para distinguir o potencial “cliente grande” que gasta muito dinheiro do “peixe miúdo” que é barrado à porta. 
 
Uma das técnicas passa pela criação de uma base de dados com informação sobre todos os clientes, incluindo nome, valor das refeições anteriores e gorjetas. No momento de fazer a reserva, é-lhe perguntado o primeiro e último nome e verificado se tem ficha de cliente no sistema.
 
Outra das técnicas, descreve o mesmo jornal, passa por avisar o cliente no momento de reserva que já só existem mesas para um consumo mínimo de cinco mil euros.
 
De acordo com o presidente da PRO.VAR, em Portugal não há conhecimento de restaurantes que exijam ao cliente um consumo mínimo. “Espero que também não venha a acontecer, pelo menos não vejo isso como boa prática, colocar aqui um valor mínimo”, afirma em declarações ao i.
 
Por cá, os empresários do setor optam por disponibilizar aos clientes um menu completo por pessoa, onde o consumo é condicionado, que é especialmente muito comum ao almoço.
 
“Aquilo que nós aconselhamos é que os restaurantes comuniquem um consumo expectável. Hoje em dia os consumidores têm uma grande dificuldade em ir ao restaurante e não terem uma noção do valor que vão gastar”, sublinha Daniel Serra.
 
 
 
Pedir gorjeta de forma coerciva
Também em Saint-Tropez, um italiano terá sido abordado pelo funcionário de um restaurante num parque de estacionamento porque a gorjeta de 500 euros não era suficiente. O funcionário exigia o dobro, para se aproximar dos 10% da conta.
 
Face às denúncias relatadas pela imprensa local, a presidente da Câmara de Saint-Tropez, Sylvie Siri, lamentou a situação, acrescentando que “o executivo municipal se opõe totalmente a tais práticas desprezíveis” que estão a “arruinar a imagem da cidade”.
 
Rotulando os casos de consumo mínimo como “pura e simplesmente extorsão de fundos” e as “gorjetas forçadas” de “chantagem organizada”, a autarca não poupou críticas às práticas dos restaurantes da cidade e garantiu que vai encontrar-se com os proprietários para discutir o problema, alertando que estes arriscam-se a perder as licenças para manter os estabelecimentos abertos.
 
Ao contrário de outros países, em Portugal as gorjetas não são obrigatórias, mas, desde agosto do ano passado, há cada vez mais restaurantes a sugerirem uma gratificação aos clientes.
 
A sugestão consta por norma no ticket da conta, independentemente do método de pagamento utilizado. O seu pagamento é voluntário e funciona como um reconhecimento da qualidade da prestação de um serviço ou refeição, devendo o cliente, se assim o desejar, pagar uma determinada percentagem sobre aquilo que consumiu. Essa percentagem tende a variar entre os 5% e os 20%.
 
Os empresários que já utilizam este método justificam a decisão com base no peso que as grojetas têm nos salários dos funcionários do setor.
 
Em França, por exemplo, a gorjeta já vem incluída na fatura, com um incremento de 15% sobre a conta. O mesmo acontece nos Países Baixos, na Chéquia (entre 10% a 15%) ou na Polónia (entre 5% a 10%).
 
Do outro lado do Atlântico, nos Estados Unidos, a gorjeta permite às entidades patronais pagar aos funcionários apenas um salário submínimo, contando que, com a gratificação, ultrapasse o limiar do salário mínimo. 
 
Contudo, quem não está familiarizado com a tradição de deixar gorjeta acaba por ser apanhado desprevenido com uma conta astronómica.
 
Ao i, um casal de portugueses diz ter gasto 60 dólares (cerca de 55 euros) em dois mojitos num bar em Miami, na Flórida, EUA. Quando analisaram a fatura, viram que o valor da gratificação obrigatória era o equivalente a 25% sobre o valor que tinham consumido.
 
Já no continente asiático, a história é bem diferente. No Japão, por exemplo, dar gorjeta pode ser considerado ofensivo, extravasando os limites da etiqueta. Isto porque deixar uma gratificação seria o mesmo que dizer que o serviço prestado foi surpreendentemente bom, algo que, no país, se parte do pressuposto que seja. Na China, esta prática chegou mesmo a ser proibida, por indiciar um ato de suborno. Atualmente, continua a ser pouco comum e maioritariamente praticada por estrangeiros, sobretudo em Hong Kong e Macau, onde se deixa 10% sobre a conta.
 
 
 
Reservas apenas com os dados do cartão de crédito
Se em Saint-Tropez as reservas exigem uma consulta à ficha de cliente, em Portugal é cada vez mais comum pedir os dados do cartão de crédito, isto porque, para reservar uma mesa num restaurante já não basta telefonar, deixar o nome e, eventualmente, um número de telemóvel.
 
Esta política surgiu quando os empresários tiveram que se adaptar às restrições e regras de contenção da pandemia, nomeadamente quando foi imposta uma distância de pelo menos um metro e meio entre as mesas, o que fez reduzir a lotação máxima dos espaços. Ora, quando os clientes não apareciam, as mesas, que já eram poucas, acabavam por ficar desocupadas, representando um prejuízo considerável para os estabelecimentos.
 
A pandemia acabou, mas esta prática veio para ficar, até porque o fenómeno dos no-show – como foram denominados os clientes que marcam mesa e não aparecem – é recorrente.
 
 Para prevenir situações em que as mesas ficam por ocupar e acautelar prejuízos, alguns restaurantes têm optado por pedir os dados de cartão de crédito ao cliente no momento da reserva. 
 
Alguns cobram-se de uma caução (normalmente equivale ao o preço médio da refeição) que é abatido na conta em caso de comparência. Mas na maioria, a cobrança só é efetuada caso a reserva seja cancelada sem antecedência ou se o cliente não aparecer.
 
É o caso do 100 Maneiras, no Bairro Alto, em Lisboa, do chef jugoslavo Ljubomir Stanisic. Neste restaurante galardoado com a distinção de uma estrela Michelin, a reserva implica preencher um formulário com os dados do cartão de crédito como forma de garantia. Caso a pessoa não compareça ou não avise da desistência até 48 horas antes da hora reservada, o estabelecimento cobra-se de 100 euros por pessoa. Já no Bistro 100 Maneiras a penalização é menos gravosa: 50 euros por pessoa mas apenas em reservas para grupos acima de três pessoas.
 
Outros exemplos de restaurantes em Lisboa onde se pratica esta política de reservas são o Café de São Bento ou o Eleven. Neste último, a penalização é de 25 euros por pessoa, mas o prazo para avisar da desistência varia: até cinco horas antes da reserva em mesas até três pessoas e até 72 horas antes para grupos a partir de quatro pessoas.
 
Daniel Serra também atesta que os empresários têm que ter cuidados redobrados e alguns já têm algum cadastro dos clientes. “Garantem mesas aos clientes habituais, mas aos restantes ou guardam as mesas e dão alguns minutos de segurança até o cliente chegar ou só aceitam reservas por ordem de chegada”. 
 
Aqui ao lado, em Espanha, uma situação de não comparência por parte de um cliente chegou até aos tribunais. Um restaurante com duas estrelas Michelin que cobrou 510 euros a três clientes por reservarem uma mesa para jantar e não aparecerem.
 
O cliente responsável pela reserva tentou processar o estabelecimento pelo valor cobrado, mas o Tribunal de Primeira Instância de San Sebastián rejeitou a ação e acabou por dar razão ao restaurante.