A uma distância tão próxima do festival, ainda se dorme?
Ainda se dorme. Quando trabalhamos em terrenos conhecidos, é sempre mais fácil. Uma sala de espetáculos nova envolve outra preocupação. É como um carro. Um carro novo não dominamos. Aqui, é a 12ª edição portanto estamos mais tranquilos mas é uma operação gigante porque se constrói aqui uma cidade. Agora, a ansiedade é um bocadinho difícil [de evitar] porque hoje temos Marilyn Manson, domingo o Lenny Kravitz e ainda faltam o Ozzy Osbourne; os Scorpions e os Kiss no Municipal de Oeiras.
Mas está aqui no recinto.
Sim, sim, nós mudamos sempre o quartel-general para aqui. Não só do festival, mas da empresa para estarmos juntos. Em grupo trabalhamos melhor.
É exagerado dizer que o ano da Everything Is New gravita em torno do NOS Alive?
É. O NOS Alive é o evento mais importante mas damos tanta importância a um espetáculo no Altice Arena como no Lisboa ao Vivo. Aliás, até nos dá particular gozo organizar espetáculos em salas mais pequenas como na Aula Magna, Coliseu, Lisboa ao Vivo ou Hard Club. Claro que ter um festival que conseguiu passar uma barreira que nenhum festival conseguiu – e estou à vontade porque trabalho nisto desde o início, em 1995 – nós sempre trabalhámos em função do pleno e o pleno é vender os bilhetes todos. No campeonato dos festivais de grande dimensão, só o NOS Alive é que conseguiu. Isso aumenta a ansiedade porque é o terceiro ano consecutivo em que conseguimos e se calhar vai haver um ano em que não vamos esgotar. Também depende da oferta. As pessoas que vêm ao festival têm outras opções, e não só de música. Estamos sempre a disputar o dinheiro das pessoas, que não é muito.
O desafio é manter, mais do que crescer?
Sim, claro. Aliás, muitas vezes a pergunta é feita: «Não equaciona aumentar a lotação?». Não, temos a dimensão certa para o lugar certo. Enquanto nos deixarem estar aqui, queremos continuar aqui. Apesar de o NOS Alive ser muito importante para nós, fazemos mais coisas.
É a dimensão sustentável?
É a dimensão certa para um festival. Temos 55 mil pessoas por dia e parece-nos ser a lotação correta. Há sempre momentos como [este ano] os Pearl Jam e os Arctic Monkeys em que toda a gente vai querer vê-los de forma confortável. Com uma lotação de 80 mil pessoas, não seria a mesma experiência. Este festival foi desenhado para o Passeio Marítimo de Algés e há uma química. Fazer maior era impossível e não imagino ser noutro sítio.
O recinto expandiu-se à medida que o festival ia crescendo. Este foi sempre o lugar certo?
Acho que sim. Na Região de Lisboa, Oeiras é o sítio mais central. Está equidistante. Aliás, Algés é metade de Lisboa. Há Lisboa e Loures para um lado, Cascais e Sintra para o outro, e ainda temos Amadora por trás. Estamos no coração da Grande Lisboa. É uma localização fantástica. Depois, estamos junto ao rio e ao mar. Até há aqui uma praia, a do Dafundo. A água já é salgada. É mar. Lisboa é a única capital da Europa que tem mar. Aquilo que diferencia Portugal e os portugueses dos outros países é que nós somos o povo mais aberto do mundo. Sempre construímos as capitais junto ao mar. Sem medo. Maputo, a Cidade da Praia, o Rio de Janeiro e Salvador – a capital, quando os portugueses lá estavam. Ao contrário de todos os outros países – alguns com capitais com rio – mas que sempre foram para o interior para se proteger. Nós não, é peito aberto. Foi sempre esse o espírito do festival.
Foi por isso que o Alive investiu tanto em comunicar para fora?
Isso tem mais a ver com o que se aprende na escola. Disseram-nos que há um mercado único europeu, o que significa que há um conjunto de consumidores que, apesar de viverem em países diferentes e falarem línguas diferentes, pertencem ao mesmo mercado. Para um país de pouco mais de dez milhões de habitantes ter massa crítica, precisa de ir buscar pessoas a outros territórios. Um país maior como a Alemanha vai buscar gente de toda a Alemanha. Se nos expandirmos, Espanha faz parte do nosso território. Hoje, com as novas companhias de aviação – que fizeram ligações entre cidades secundárias de outros países –, isso tornou possível a mais pessoas ter um voo direto para Lisboa. As viagens estão mais baratas. O alojamento local também nos ajudou muito. O homem do séc. XXI é o homem do conforto. Não é o homem de dormir no chão. Os airbnb e os hostels foram muito importantes. Se olharmos para festivais como Coachella, quase toda a gente fica em hotéis. Houve uma necessidade de complementar os portugueses com os estrangeiros. Portugal sempre foi um país de turismo. Não é um fenómeno recente. Sempre me lembro de se dizer que Portugal tinha dez milhões de turistas e de habitantes. Cometia era um erro, ser promovido como um destino de sol e praia. Somos tudo menos um destino de sol e praia, apesar de o termos. Quem procura sol e praia, vai para as Caraíbas, onde a água e as noites são quentes. Agora, Portugal tem outras virtudes que finalmente começaram a ser conhecidas no mundo mas há uma coisa que para mim é óbvia: aquilo que nos motiva a visitar uma cidade pela segunda vez é o conteúdo. E a música, e um festival, é um conteúdo. Trazemos pessoas que vêm para o NOS Alive e aproveitam para ficar cinco dias para conhecer a cidade. Temos vários estudos que nos dizem que quase 80% das pessoas que vêm para o festival, ficam mais tempo. Tem-se falado muito no preço. Na semana passada, estive em Madrid no Festival de Fado e um café expresso custa 1,10 €. Aqui custa 60 cêntimos. A vida ainda é um bocadinho mais barata aqui mas o que atrai as pessoas a países do sul é que até os festivais são diferentes. No norte e centro da Europa, começam às 11 da manhã e acabam às 00h00. Isso obriga a viver o festival e nada mais. Em Portugal e Espanha, só começam às 17h00 – os espanhóis, por causa do calor, chegam a começar só às 18h00 e às 19h00. E os mais resistentes ainda vão para o Lux. Isto é impossível lá fora. O festivaleiro aproveita o dia inteiro para usufruir da cidade. Por isso é que quando começámos a vender o festival, explicámos que se podiam fazer quatro coisas diferentes. E aliás, é a descoberta interessante de Lisboa ter praia. É possível ir surfar de manhã, ter uma experiência gastronómica ao almoço – e não só de chefs –, ou conhecer o nosso património. Isto é o segredo do sucesso. Os portugueses tomaram a dianteira mas os espanhóis já aprenderam. Tanto que este ano na Feira de Turismo de Madrid, eles têm sempre um tema para incoming e outro para outgoing. O do incoming era festivais de música.
O complemento dos estrangeiros é tão necessário hoje como foi nos últimos anos?
Não. No mundo global, não conheço ninguém em Portugal que faça um produto exclusivo para portugueses. O objetivo é trabalhar para o mundo inteiro. Este ano, quando anunciámos os Pearl Jam os portugueses correram para comprar bilhetes mas, para nós, importante é ter casa cheia. Para esta edição vendemos 16 mil bilhetes lá fora. Já foram mais, mas também porque os portugueses compraram mais cedo. E esgotámos em três dias, o que deixou muitos estrangeiros de fora. Nós já tínhamos sido o primeiro festival grande a esgotar um dia com muita antecedência. Lembro-me de se dizer na altura que era marketing. Ok, marketing. Não há bilhetes...Depois, esgotámos dois dias e de há três anos, os três dias. A tendência dos portugueses não é deixar para a última, é uma questão de poder de compra. De opções. Comprar para daqui a seis meses é deixar de poder gastar para hoje. Essa era a razão para os portugueses serem de última hora em relação aos festivais. A melhor semana de vendas era sempre a última. Ao esgotar, conseguimos reverter isso.
Nota otimismo?
Não, a realidade é outra. O NOS Alive é um sucesso e esgota mas a realidade dos espetáculos é uma tragédia. Quando o país está em crise, ouço sempre dizer que «os bons restaurantes estão cheios». Obviamente que os produtos de qualidade ou diferenciadores, têm público. Quando olhamos para um povo, temos de ver os hábitos e, segundo o INE, cada português gasta 8,5€ num espetáculo por ano. Isso nem chega a ser dois dias de tabaco para quem fuma. Ou uma semana de cafés, na base de um ou dois por dia. O NOS Alive é um sucesso mas Portugal ainda tem muito trabalho para fazer na criação de hábitos culturais. São os mais baixos da Europa. É uma oportunidade para os operadores. Para mim, o tema é financeiro. O cinema vende 15 milhões de bilhetes e os espetáculo 4,9 milhões. O preço médio dos espetáculos é de 17 euros e o do cinema de 5. O cinema vende três vezes mais porque é mais barato. É uma questão de preço. Os hábitos de leitura também são os mais baixos. As pessoas mais cultas, são mais interessadas. Os portugueses não têm hábitos culturais. As políticas culturais em Portugal falharam. Se pensarmos assim: qual é o artista português com menos de 40 anos e uma carreira internacional? Só existem em áreas não intervencionadas pelo Estado. No fado e na arte urbana. Tudo nascido da sociedade civil. Temos pessoas como a Carminho, a Ana Moura e a Mariza conhecidas em qualquer parte do mundo. Há alguma bailarina clássica? Um violinista? Um violoncelista? Um pintor? Um escultor? Não há nada. Onde o Estado meteu a mão, falhou. As políticas culturais assentam na educação. Fala-se muito no antes e no depois do 25 de Abril mas os conservatórios são os mesmos. Se o país evoluiu, devíamos ter quatro vezes mais! Falhámos! Não é o partido A, nem o partido B. É o sistema. Até os festivais que são um grande sucesso, saem da sociedade civil. Temos de criar hábitos de as pessoas irem à ópera, ao ballet, ao teatro; ler livros e jornais. É fundamental. Um povo culto é um povo livre e tem mais capacidades para vencer na vida.