Ação climática. Fracasso é o risco mais severo da década e faz soar alarme social e económico

“A força, o impacto e a severidade dos riscos ambientais e sociais foram altamente exacerbados pela pandemia”, diz ao i, o especialista de risco da Marsh Portugal, entidade que contribuiu para o relatório para o Fórum Económico Mundial.

“A covid-19 e as suas consequências económicas e sociais continuam a representar uma ameaça crítica para o mundo. A desigualdade no acesso a vacinas e a consequente recuperação económica desigual correm o risco de agravar fraturas sociais e tensões geopolíticas”. Esta é uma das conclusões do relatório “Global Risks Report 2022”, realizado pela Marsh e pela Zurich para o Fórum Económico Mundial.

Uma conclusão que não surpreende o especialista de risco da Marsh Portugal, Fernando Chaves, que ainda assim, alerta que há alguns riscos, nomeadamente tecnológicos que acabaram por ser algo desvalorizados. Mas apesar de tudo admite que “a força, o impacto e a severidade dos riscos ambientais e sociais foram altamente exacerbados pela pandemia”, acrescentando que “é um reflexo muito forte e demonstra o que já era esperado há muito tempo, porque os relatórios anteriores apontavam para esses riscos para os próximos 10 anos e que estavam muito focados no social e no ambiental”, diz ao i.

O documento chama a atenção para o facto de nos 52 países mais pobres – onde vivem 20% da população mundial – apenas 6% da população tinha sido vacinada no momento em que o relatório estava a ser preparado.

E as perspetivas económicas não são animadoras. “Em 2024 as economias em desenvolvimento (excluindo a China) estarão 5,5% abaixo do crescimento do PIB esperado antes da pandemia, enquanto que as economias avançadas terão ultrapassado a previsão em 0,9% – aumentando o fosso de rendimento global”, acrescentando que “a divergência global resultante criará tensões – dentro e fora das fronteiras – que podem piorar os impactos em cascata da pandemia e complicar a coordenação necessária para enfrentar os desafios comuns, incluindo o fortalecimento da ação climática, aumento da segurança digital, restabelecimento dos meios de subsistência e coesão social, e gestão da competição espacial”.

O documento aponta para riscos sociais – na forma de “erosão da coesão social”, “crises de subsistência” e “deterioração da saúde mental” – como os que pioraram mais desde o início da pandemia. “Apenas 16% dos respondentes se sentem positivos e otimistas sobre as perspetivas para o mundo e apenas 11% acreditam que a recuperação global vai acelerar. A maioria dos respondentes espera que os próximos três anos sejam caracterizados por volatilidade constante e surpresas múltiplas ou trajetórias fragmentadas que separarão vencedores relativos e derrotados”.

E face a esse cenário, para os próximos cinco anos apontaram os riscos sociais e ambientais como os mais preocupantes. No entanto, num horizonte a 10 anos, a saúde do planeta domina as preocupações: “Os riscos ambientais são percecionados como as cinco ameaças de longo prazo mais críticas para o mundo, bem como as potencialmente mais prejudiciais para as pessoas e para o planeta, com ‘fracasso da ação climática’, ‘eventos climáticos extremos’ e ‘perda de biodiversidade’” como os três principais riscos mais severos.

Mas os alertas não ficam por aqui. As “crises da dívida” e “confrontos geoeconómicos” são também identificados como alguns dos riscos mais graves nos próximos 10 anos, referindo que as perspetivas continuam débeis, uma vez que, no momento em que este relatório foi preparado, esperava-se que a economia global fosse 2,3% menor em 2024 do que seria sem a pandemia, defendendo que “o aumento dos preços das commodities, a inflação e a dívida são riscos emergentes” e que “a pandemia continua a sufocar a capacidade dos países facilitarem uma recuperação sustentada”.

Ao i, Fernando Chaves lembra que todas as perspetivas estão a ser revistas em quebra e, como tal, defende que é preciso olhar para os números com muita atenção. “É importante termos em conta que estamos perante uma crise que nada tem a ver com a crise de 2008/2009, estamos a falar de aspetos que se ouviam falar antes da pandemia, até porque já se tinha falado de uma potencial nova crise económica/mundial e que de certa forma acabou por ser arrastada porque nos focamos na resposta à pandemia, no entanto, o problema não desapareceu, até pelo contrário agudizou”, lembrando que o aumento da dívida é cada vez maior, a grande diferença que temos é que estamos perante uma crise originada por um evento relacionada com uma doença e não estamos livres de continuarmos a ter situações epidemiológicas graves que possam ser disruptivas a nível regional ou mundial, transformando-se novamente em novas pandemias no futuro e isso muito advém das alterações climáticas e do surgimento de vírus que estão adormecidos.

E o que pode acontecer? O relatório garante que “as consequências económicas da pandemia estão-se a agravar com os desequilíbrios no mercado de trabalho, o protecionismo e o aumento das lacunas digitais, educacionais e de competências que podem dividir o mundo em trajetórias divergentes. Em alguns países o lançamento rápido de vacinas, transformações digitais bem-sucedidas e novas oportunidades de crescimento podem significar um regresso às tendências pré-pandemia no curto prazo e possibilitar uma perspetiva mais resiliente num horizonte temporal mais longo”.

Mas não fica por aqui. O documento lembra ainda que face ao facto de muitos países terem limitações devido a baixas taxas de vacinação, uma forte pressão contínua nos sistemas de saúde e mercados de trabalho estagnados poderão “dificultar a colaboração internacional necessária para responder ao agravamento dos impactos das alterações climáticas, gerir os fluxos de migração e combater os riscos cibernéticos perigosos”.

Uma pressão que poderá, de acordo com o mesmo relatório, tornar a tarefa dos Governos mais difíceis no que diz respeito a dar prioridade a longo prazo às questões globais, assim como irá limitar o capital político alocado a esses mesmos temas. “A ‘erosão da coesão social’ é uma das principais ameaças de curto prazo em 31 países – incluindo África do Sul, Alemanha, Argentina, França e México do G20”, lembrando que se prevê um aumento nas disparidades que já desafiavam as sociedades: “Projeta-se que mais de 51 milhões de pessoas vão viver em pobreza extrema, em comparação com a tendência pré-pandemia – sob o risco de aumentar a polarização e o ressentimento dentro das sociedades. Ao mesmo tempo, as pressões internas colocam em risco posturas de interesse nacional mais fortes e o agravamento de fraturas na economia global, que ocorrerá à custa de ajuda e cooperação externas”.

O especialista de risco da Marsh Portugal, Fernando Chaves, admite, no entanto, que nem todos os Governos estão disponíveis para fazer as mudanças necessárias, um vez que, “carecem de uma coragem de tomada de medidas de curto prazo que tenham impactos a médio e a longo prazo”, refere ao i. Mas garante que essa fatura terá de ser paga mais cedo ou mais tarde.

Mas os alarmes já se fizeram soar com o relatório a acenar para o “fracasso da ação climática” que é visto como a ameaça número um de longo prazo a nível global e o risco com impactos potencialmente mais severos na próxima década. “As alterações climáticas já se estão a manifestar rapidamente na forma de secas, incêndios, inundações, escassez de recursos e perda de espécies, entre outros impactos. “Em 2020, várias cidades em todo o mundo experienciaram temperaturas extremas que não eram vistas há anos, como um recorde em alta de 42,7º C em Madrid e uma mínima em 72 anos de -19.ºC em Dallas, e regiões como o Círculo Polar Ártico tiveram temperaturas média no verão 10.ºC mais altas do que nos anos anteriores. Governos, empresas e sociedades estão a enfrentar uma pressão crescente para impedir piores consequências. No entanto, uma transição climática desordenada, caracterizada por trajetórias divergentes em todo o mundo e entre setores, irá separar ainda mais os países e bifurcar as sociedades, criando barreiras à cooperação”, refere.