Acta da RGA

Já tinha visto muita coisa na política, mas nada que se parecesse com a última semana dos socialistas. De parte a parte, o guião seguido assemelhou-se mais a uma longa reunião geral de alunos do que a um partido de gente preparada para comandar o país.

independentemente de quem ganhou – indiscutivelmente antónio josé seguro – foi um momento de non sense total. eis porquê.

perdidos na selva

antónio josé seguro é, para o bem e para o mal, um líder transparente. a pergunta repetida cinco vezes num corredor do parlamento, «tanta pressa para quê?» mostrou-o sem resposta para uma situação que era absolutamente previsível. há pelo menos dois meses que aqui mesmo, no sol, escrevíamos que tudo se preparava para um desafio à liderança. com costa à espreita, sim, coisa que o líder sabia pela ausência de uma confirmação da sua recandidatura a lisboa.

no sábado, porém, seguro já tinha uma estratégia: antecipar o congresso e as directas, e atacar a deslealdade dos críticos. tinha um risco e um problema de facto. o risco era ajudar à festa de uma fractura profunda no partido; o problema é que o assumir de uma divergência interna não é uma deslealdade, mas a regra mais normal de uma democracia. isto, claro, na condição de o pressuposto ser assumido assim, de forma clara: eu serei melhor.

largados em acção

acontece que, do lado contestatário, não foi isso que aconteceu. a contestação ao líder foi preparada sem uma rede mínima, sem sequer assumir preto no branco que o que estava em causa era a convicção – que há e é legítima – de que seguro não é bom líder e não será bom primeiro-ministro. pior: obviamente, o timing não era perfeito.

antónio costa teve uma semana para lhes dizer «não» e tinha razões válidas para o fazer. provavelmente perdia, lançaria o partido num processo de auto-flagelação, não teria grandes divergências programáticas para apresentar aos socialistas – limitando a sua campanha à procura do poder. mas não o fez. alimentou a expectativa de todos e, na ‘hora h’, voltou atrás. não antecipou uma bateria de apelos e críticas, nem um (prudente) recuo táctico de seguro. foram dois erros trágicos: subestimou o adversário; e deixou as suas tropas sozinhas em combate, sem reserva de munições.

podem dizer-me que em política isto não mata. mas é o suficiente para acabar com um mito.

e agora, seguro

dito isto, seguro pode respirar fundo. será o mais que provável candidato do ps às próximas eleições legislativas. ganhou o partido numa manobra táctica, falta-lhe convencer o país de que tem uma estratégia.

para o que conta, no que ao país diz respeito, a maior dúvida que sobra é saber se esta paz negociada com costa vai levar o pspara um novo patamar de contestação ao governo e ao memorando de entendimento. fica para as cenas dos próximos capítulos.