Aerosmith. A eterna juventude da terceira idade

A linha da vida dos Aerosmith tem sido uma montanha-russa de grandes êxitos, divergências, multidões e reabilitações. Dezoito anos depois da última visita, voltam a Portugal para “Aero-Vederci Baby!”, mas Steven Tyler ainda quer saber como é a longevidade dos Rolling Stones. Haverá vida para além da morte anunciada?

Dos cinco elementos dos Aerosmith, todos já estão para além da casa dos 65 anos. O guitarrista Brad Whitford e o baixista Tom Hamilton completaram a bonita idade nos últimos seis meses, mas a prova de resistência começa agora. Quando a digressão europeia que hoje dá o pontapé de saída na MEO Arena foi anunciada, esperava-se que fosse o último voo. Trocas de galhardetes em público, um álbum a solo de Steven Tyler e a ameaça de os restantes elementos o substituírem por outro vocalista deixaram os Aerosmith no fio da navalha, mas o espetáculo tem de continuar.

Dezoito anos depois da última visita a Portugal – à única edição do Festival T99, no Estádio Nacional, que deixou mais buracos na conta do pioneiro dos promotores Ricardo Casimiro do que recordações na memória –, o regresso era para coincidir com o último aceno. Era, mas os planos foram adiados porque os Aero-smith assumiram a vida para além da morte. “Mudámos de ideias. Acho que vamos continuar. Da forma como as coisas estão a evoluir, vamos continuar [ativos] em palco nos próximos anos já que o nosso 50.o aniversário está a chegar”, declarou o guitarrista Joe Perry à Associated Press. “Não vamos viver para sempre mas, da forma como estamos a tocar, ainda temos muito para dar”, reforçou o vocalista Steven Tyler.

Nada de novo no curso de uma banda que sempre viveu no arame. O rock’n’roll não tem segredos para os Aerosmith. Nem no palco nem fora dele. A cartilha de êxitos é longa. As platinas, suficientes para forrar divisões. Os palcos, aos milhares. As plateias, aos milhões. Os luxos, faraónicos. Mas o que está do outro lado do espelho não é mera nota de rodapé. As tensões, os egos, os dramas familiares, as drogas e as reabilitações também são parte da história do grupo. O que seria do rock’n’roll sem a mitologia? Tarde demais para saber, mas que seria menos rica em histórias é um facto.

Não é a primeira vez que se concedem uma nova oportunidade. Aliás, a história dos Aerosmith é rica em balões de oxigénio. A geração MTV descobriu-os no pós-Guns N’Roses graças a baladas como “Crazy”, “Cryin’” e “Amazin’” – a trilogia visual com Alicia Silverstone no papel de protagonista –, enquanto se ficava a saber que era possível Liv Tyler ser filha de Steven Tyler, herdando os mesmos lábios. A década de 90 foi boa para o rock de estádio e melhor ainda para os Aerosmith, em reabilitação coletiva após uma boa parte dos anos 80 de costas voltadas e a extirpar ervas daninhas, mo corpo e nas relações deterioradas após uma década de 70 de grande afirmação no panorama rock americano.

Depois de se conhecerem em Boston ainda na adolescência, os Aerosmith estabilizaram uma formação e conquistaram reputação a queimar asfalto, isto é, na estrada. Como os Led Zeppelin, receberam de mão beijada os blues em estado puro e deram-lhe força e cor. Pelo visual, foram várias vezes catalogados como banda glam, mas o rock poderoso e musculado deu-lhes o volume de estádio que a imagem driblou. E apesar de conservadores – nas últimas eleições apoiaram publicamente Donald Trump –, participaram na experiência pioneira do rock com o rap quando regravaram “Walk This Way”, um original de 1975, com os emergentes Run-DMC, dez anos depois. Tão importante como a canção foi um vídeo em que a parede entre os dois grupos se partia à medida que o ruído subia de tom. Quando a música tem proporções políticas e sociológicas, é capaz destas coisas. Dois universos tão afastados dialogavam como nunca antes e eternizavam um hino à aproximação e integração de povos e culturas.

Foi a manobra mais arrojada e espontânea de uma obra ancorada na América profunda e à medida de um país. Os Aerosmith eletrificaram os blues à escala de 52 estados e conquistaram o direito a ser uma daquelas bandas transversais que, pelo menos, toda a gente já deve ter ouvido uma vez na vida.

Talvez por isso ambicionem a longevidade dos Rolling Stones e hoje, na MEO Arena, em Lisboa, têm uma oportunidade ímpar de provar se ainda há futuro para esta memória ou se são apenas o saudosismo e as recordações a legitimar o reencontro.

Ainda há bilhetes à venda a preços entre os 55 e os 89 euros. A primeira parte, dos Raveneye, começa às 20h30. Em cerca de hora e meia, os Aerosmith terão de condensar uma vida e uma extensa coleção de singles. E só depois se saberá se é arrivederci para sempre ou até uma próxima vez.

O homem da boca grande. Tem um passado de dependência de drogas e álcool. Esteve 20 anos limpo, mas voltou a cair no vício. De analgésicos, já neste século. Recuperou, escreveu uma autobiografia, foi jurado do American Idol e editou um álbum country a solo. Tem 69 anos.O guitarrista está para os Aerosmith como Keith Richards para os Rolling Stones. Ou Slash para os Guns N’Roses. Deixou a banda em 1979, voltou em 1984, mas a relação de amor-ódio com Steven Tyler nunca mudou. É neto de um madeirense que teve de mudar o apelido Pereira para Perry.O guitarra-ritmo, bem mais discreto que o companheiro das seis cordas, também tem um passado de vício alcoólico. Entrou para a banda com 19 anos, fez parte da debandada do final dos anos 70 e voltou ao posto com Joe Perry. Tem 65 anos.É baixista, coautor de algumas das canções mais populares como “Janie’s Got a Gun” e “Sweet Emotion”. São dele ainda os coros de “Love In An Elevator”. Há dez anos venceu um cancro que o obrigou a falhar pela primeira vez na vida um concerto dos Aerosmith.É dele o nome Aerosmith, retirado de uma canção de Harry Nilsson. Participou num episódio dos Simpsons e é conhecido como Kramedog, por se ter vestido de cãozinho no vídeo de “Pink”. É membro fundador e nunca deixou a banda. Em 2014 sofreu um ataque cardíaco.Steven Tyler