Algas no Algarve. “Dificilmente vamos conseguir controlar e pode estender-se à restante costa”

O barlavento algarvio está a ser invadido pela alga japonesa mas os municípios estão a tentar resolver a situação e já investiram milhares de euros. Presidente da Zero diz que a situação “é um drama” e que pode estender-se à restante costa. CCMAR e Universidade do Algarve contam ao i mais sobre este fenómeno.

Muitas vezes, quem está habituado a fazer praia, já se habituou à presença das algas que, de vez em quando, dão o ar da sua graça. Mas, quem tem feito praia no Algarve nas últimas semanas, pode não ter achado tanta piada. Uma alga originária da Ásia está a invadir a costa do barlavento algarvio, havendo praias em que a acumulação originou uma barreira de 1,20 metros de altura.

Ao i, Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, assume: “Esta questão é um drama”. E explica o porquê: “Lidar com espécies invasoras já é complicado em terra – como é o caso do furão, por exemplo – mas no mar ainda mais problemático é”, explicando que esta situação “claramente tem uma relação com as próprias alterações climáticas que estamos a ter”.

O responsável lembra que no Mediterrâneo e também na zona do Atlântico há uma espécie invasora a cada quatro, cinco semanas. “Há claramente condições que são propícias a estas espécies em que elas até poderiam estar presentes mas não eram viáveis antes e agora encontram condições em que se expandem brutalmente”.

O problema é que, refere Francisco Ferreira, “não há método de controlo porque não há predadores, o que significa que terá sempre que ser uma intervenção humana a tentar limpar ou retirar estas algas que, além disso, destroem o ecossistema, isto é, uma zona bastante produtiva, costeira, próxima que é a zona próxima das praias, com estas algas, pura e simplesmente fica completamente ameaçada em termos de biodiversidade e do ponto de vista piscícola também”.

E ameaça também a pesca porque não se consegue pescar. “Com a altura das algas que tenho não consigo usar materiais de pesca e, além disso, inviabilizo mesmo aquilo que tenho na plataforma. No fundo, deixo de ter um fundo do mar disponível para várias espécies que o ocupam”, lamenta.

Questionado sobre se este problema veio para ficar, o presidente da Zero considera que sim. “Acho que dificilmente vamos conseguir controlá-la e pode estender-se à restante costa se tiver as condições propícias do ponto de vista de temperatura e de profundidade, essa é perfeitamente algo viável. Há umas nuances em que podemos encontrá-la mais com ventos de sudeste, no Algarve, ela está a vir, na nossa costa Oeste talvez seja mais improvável mas na nossa costa algarvia, que é a que está virada a sul e virada ao mediterrâneo, aí é mais complicado”, finaliza.

O i falou ainda com Dina Simes,  professora da Universidade do Algarve (UAlg) e investigadora no Centro de Ciências do Mar (CCMAR) que explicou que esta ‘praga’ de algas é “originária do cultivo de ostras do Japão, e foi observada pela primeira vez no lago Thau (França), de onde se propagou para o sul de Espanha e Portugal”, explicando que “as condições favoráveis permitem que esta alga se desenvolva rapidamente, causando grandes acumulações”.

Questionada sobre quais as consequências desta invasão, Dina Simes não tem dúvidas: “As consequências são tanto socioeconómicas, com grandes impactos no turismo e nas pescas, como ambientais, causando uma diminuição da diversidade de outras espécies nativas”.

E, apesar de garantir que não tem risco para a saúde humana, a professora e investigadora diz que “esta espécie parece ter estratégias com as quais consegue inibir a maioria dos herbívoros. Além disso, a sua grande cobertura nos fundos rochosos diminui a diversidade de espécies nativas das costas portuguesas”.

E, tal como o presidente da Zero, também defende que se pode estender a todo o território nacional. “Devido ao seu comportamento altamente invasivo e à presença de condições favoráveis ao seu desenvolvimento ao longo da costa portuguesa, é possível que se propague por todo o litoral. De facto, existem já registos de acumulações a norte do Algarve”, diz Dina Simes que colabora com um projeto que tem como objetivo não só o estudo da disseminação e monitorização da proliferação associada a estes fenómenos de grandes acumulações, como também a valorização da biomassa destas macro algas não nativas, invasoras para a investigação e para a indústria, quer através da obtenção de produtos de elevado valor para indústrias como a cosmética, farmacêutica, alimentar, quer para outro tipo de industrias como os adubos, produção de bioplásticos, etc. O projeto, Algas na Praia, é uma iniciativa que se insere no âmbito do projeto NutriSafe da Universidade do Algarve (projeto financiado com fundos CRESC ALGARVE 2020).

 

O que dizem os municípios?

O i falou ainda com alguns dos municípios mais afetados para tentar perceber o que está a acontecer e como estão a contornar a situação.

Um deles é Lagos que diz ao nosso jornal que, atendendo “à dimensão da situação e à indisponibilidade de meios próprios para dar resposta a este volume de resíduos a recolher, o município recorreu à contratação de serviços externos (maquinaria e mão-de-obra) para efetuar a remoção e o transporte de algas”. Esses trabalhos tiveram início na passada quinta-feira “e vão continuar durante os próximos dias, até se conseguir remover todo o volume de algas acumulado nos areais”.

 Se é possível retirar todas as algas, a autarquia defende que “sendo um fenómeno que deriva da velocidade de propagação e crescimento desta espécie invasora, os trabalhos de limpeza estão destinados a não ter um fim à vista, isto é, poderemos conseguir nos próximos dias limpar todas as algas que já se encontram acumuladas no areal, mas isso não impedirá que a situação se repita mais vezes durante a época balnear”, acrescenta.

Neste município, toda a frente de mar entre a cidade e a Ponta da Piedade foi invadida por algas, “sendo três os areais com classificação de zona balnear afetados: Praia da Batata; Praia D. Ana e Praia do Camilo”. E acrescenta que “esta situação já tinha ocorrido em 2022, tudo indicando estar a tornar-se cada vez mais frequente e com maior gravidade, pelo significativo volume de algas que são depositadas pelo mar nos areais”.

É que só nesta época balnear o município já foi obrigado a contratar serviços no valor de 100 mil euros mas “o custo final vai depender da frequência e dimensão desta invasão”. A câmara diz que se trata de “uma operação complexa, demorada e dispendiosa”, explicando que “desde logo por só poder ser realizada em determinados períodos do dia, mais concretamente na baixa-mar. Além disso, as características da costa, com várias praias encaixadas em zona de arribas altas e acesso por escadaria (como é o caso da D. Ana e da Praia do Camilo), obrigam a proceder ao ensacamento das algas e à sua retirada por via marítima, com a utilização de barcos”.

O fenómeno, no entanto, não tem afastado banhistas. “Felizmente temos outras praias e três grandes areais que, por enquanto, ainda não estão a ser afetados por este problema, constituindo uma excelente alternativa para quem neste momento se vê impedido de utilizar as praias rochosas anteriormente referidas. Estamos a falar da Meia Praia, areal e baía com vários quilómetros de extensão, do Porto de Mós e da Praia da Luz, que têm todas as condições para receber os veraneantes e banhistas e uma beleza igualmente única”, diz a autarquia.

Sobre se há previsões para que esta ‘praga’ termine, a autarquia de Lagos diz que os investigadores, designadamente do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) e da Universidade do Algarve, “estão a estudar o fenómeno, pelo que só a comunidade científica poderá ajudar as autoridades a tomar as melhores decisões e medidas para acabar com, ou pelo menos minimizar, esta proliferação de espécies invasoras e os transtornos dela provenientes, bem como descobrir possíveis formas de aproveitar os resíduos desta matéria orgânica”. Mas, sendo um problema “que afeta vários pontos da costa algarvia e envolve mais do que um município, entendemos, também, que o assunto merece ser discutido em sede da AMAL, de modo a concertar-se posições e a adotar-se uma política de atuação uniforme”.

Por sua vez, a Câmara Municipal de Portimão refere que, neste momento, “esta situação já está bastante diferente registando-se somente numa parte muito residual de uma praia (Prainha) que ainda não foi retirada devido ao difícil acesso. Todas as outras praias – oito quilómetros de praias –, garante a autarquia, “estão livres de algas”.

Até ao momento, a câmara de Portimão já retirou cerca de 20 mil metros cúbicos destas algas e “estimam-se que até à presente data se tenha gasto cerca de 70 mil euros de dinheiros próprios da autarquia”.

Assumindo que esta “é uma situação inédita em Portugal e está a ser monitorizado pelas entidades competentes” a câmara diz que, naquilo que lhe compete, garante uma “equipa preparada para aturar sempre que for necessário, de forma a remover rapidamente as algas se estas voltarem a dar à costa”.