Aplausos e críticas no primeiro ano do Fado como Património da Humanidade

A proclamação do Fado como Património Imaterial da Humanidade faz hoje um ano, entre aplausos, críticas, alertas e a distinção, pela Câmara de Lisboa, de 50 personalidades e duas entidades.

o museu do fado coloca hoje “on-line”, em www.museudofado.pt, o roteiro virtual do fado, que permitirá visitas virtuais ao museu, à fundação amália rodrigues, a casas de fado, a algumas colectividades e associações de recreio, assim como a oficinas de construção de guitarras e a “participação” em eventos de fado na cidade, entre outras potencialidades, explicou à lusa a directora do museu do fado, sara pereira.

este roteiro surge no quadro do plano de salvaguarda da candidatura à unesco, organização das nações unidas para a educação, ciência e cultura.

a partir das 18:00, nos paços do concelho, a câmara de lisboa agracia com a medalha de mérito municipal, grau ouro, 50 personalidades e também a associação portuguesa dos amigos do fado e a academia da guitarra portuguesa e do fado.

entre os distinguidos encontra-se a fadista mariana silva, que iniciou carreira em 1943, o embaixador andresen guimarães, o musicólogo rui vieira nery e os fadistas carlos do carmo e mariza, que foram embaixadores da candidatura.

vieira nery, que liderou o comité científico da candidatura a património imaterial da humanidade, disse à lusa que “o reconhecimento do papel único do fado na cultura portuguesa é hoje cada vez mais incontestado”.

a proclamação superou, “de uma vez por todas, os debates recorrentes sobre a legitimidade artística e a natureza política do género” musical, sublinhou.

sara pereira afirmou, por seu lado, que houve “um interesse redobrado” no género musical e uma “multiplicação de contactos”.

“há um grande interesse a nível nacional. noto uma multiplicação de contactos com o museu, no sentido de mais informação, de procura de materiais documentais, de livros e de exposições itinerantes, por parte de bibliotecas, escolas e centros culturais, de norte a sul do país”, disse.

várias vozes manifestam, no entanto, a sua inquietação quanto a uma possível “descaracterização” do fado, como expressou o investigador e fadista vítor duarte marceneiro, que afirmou à lusa que, “actualmente, basta ter uma guitarra portuguesa e uma viola e já é fado, quando este género musical tem regras que o definem”.

outra questão apontada foi o “aproveitamento” da distinção da unesco, num contexto de “vulgarização” do género, “que nada o beneficia”.

“o problema – apontou pedro ramos, do restaurante típico o faia, em lisboa -, é quando este tipo de distinções serve para se fazer um aproveitamento do fado que nada o beneficia, e então passamos a vulgarizar este património em hotéis, cafés para turistas, esplanadas e todo um conjunto de locais, que nunca estiveram ligados ao fado”.

a preocupação do empresário está no risco de perda de identidade do ambiente fadista, que conjuga a tertúlia com a gastronomia e a música.

já o poeta josé luís gordo, afirmou à lusa: “espero que esta febre passe e que o fado tenha a dignidade que tanto merece aqueles que o amam, e que não fazem dele comércio – os vendilhões do fado – [como] algumas grandes figuras que se aproveitam para atingirem os seus objectivos. estes, que antes o renegavam e tanto mal diziam dele, são aqueles que usufruem [do fado] e nada arriscam – esses, sim, foram os grandes beneficiários do património imaterial”.

para a apaf, a proclamação permitiu que “o fado [ficasse] muito mais conhecido além-fronteiras”, embora, “no circuito interno”, tenha ficado “tudo na mesma”.

o investigador daniel gouveia considera que a proclamação do fado como património imaterial da humanidade trouxe “um maior respeito e reconhecimento pelo género, por parte da comunidade portuguesa, gostem ou não de fado os seus membros”.

a “comunidade fadista”, por seu turno, “reconciliou-se com os estudiosos, académicos ou não, que vinham dedicando o seu esforço à investigação e sistematização de conhecimentos sobre o ‘seu mundo’”, acrescentou.

lusa/sol