Arresto ameaça Empresas e Negócios em Portugal

Empresária viu os bens e contas arrestados em Angola. Analistas contactados pelo SOL admitem que situação poderá ter consequências no mercado nacional, mas remetem para os reguladores portugueses a avaliação da situação. Para já está em curso um inquérito do MP português. 

Os investimentos de Isabel dos Santos em Portugal podem ser afetados pela situação vivida em Angola. O alerta é dado ao SOL pelo analista da Infinox Nuno Caetano, que admitir que «os investimentos em Portugal poderão ser afetados». 
No entanto, Nuno Caetano admite que «terão de ser as entidades reguladoras em Portugal a avaliar a situação».
Em causa está a decisão do Tribunal Provincial de Luanda de decretar o arresto preventivo de contas bancárias pessoais de Isabel dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo, e de Mário da Silva, além de nove empresas nas quais detêm participações sociais, por considerar que os negócios terão lesado o Estado angolano na ordem dos mil milhões de euros. 

Em Portugal, a empresária angolana tem vários negócios, com destaque para a NOS, a Galp ou a Efacec. 
Isabel dos Santos, através da ZOPT, detém 52% da operadora de telecomunicações NOS. O restante capital está nas mãos da Sonae. 

Já através da holding Esperaza, controla 45% da Amorim Energia, que detém 33,34% da petrolífera portuguesa. 
Também no setor energético, detém 75% da Efacec, através da Winterfell Industries, cuja empresa é presidida por Mário Silva, que também é visado pela decisão do tribunal angolano (ver texto ao lado).

A área de intervenção da empresária angolana em Portugal estende-se ainda ao setor financeiro. No Banco EuroBic, liderado por Teixeira dos Santos, a empresária detém, através da Santoro Finance, uma participação de 42,5%. Uma posição semelhante à posição que detém no BIC Angola, também arrestada. 

Por ter vários investimentos em áreas tão distintas, os reguladores nacionais estão atentos aos impactos que esta decisão da justiça angolana poderão ter no mercado nacional. 

Ao SOL, o Banco de Portugal garante que Isabel dos Santos não integra o conselho de administração de nenhuma entidade sujeita à supervisão do Banco de Portugal. Mas, ainda assim, garante que, «no que se refere às questões de adequação (de administradores e acionistas), apenas se pode referir, dadas as questões de segredo a que o Banco está vinculado, que o Banco de Portugal considera todos os factos novos que possam ser relevantes para efeitos de avaliação/reavaliação da adequação de quaisquer pessoas que exerçam funções de administração/fiscalização ou sejam acionistas de instituições por si supervisionadas. Para esse efeito o Banco de Portugal interage e troca informação, nos limites do quadro normativo aplicável, com todas as entidades e autoridades, nacionais e internacionais, de forma a poder consubstanciar factos que possam ser relevantes no contexto desse juízo».

Também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) afirma estar a «acompanhar as implicações da referida decisão judicial, designadamente no que respeita a eventuais obrigações de prestação de informação ao mercado por entidades nacionais». Mas lembra que, tendo em conta que «a referida decisão incide primariamente sobre entidades de direito angolano, não se afigura por ora, e em face da informação disponível, exigível que sociedades cotadas nacionais, não visadas pela referida decisão, divulguem informação ao mercado».

O certo é que os primeiros passos já foram dados em Portugal, com o procurador Rosário Teixeira a impedir a transferência de 10 milhões de euros de uma conta do BCP em Portugal para outra na Rússia. O SOL sabe que a decisão do Ministério Público surgiu depois de um alerta bancário, havendo atualmente um inquérito do MP a visar Isabel dos Santos.

Negócios afetados

O arresto preventivo das contas bancárias e bens de Isabel dos Santos, do seu marido Sindika Dokolo e do seu gestor de confiança, o português Mário da Silva (ver texto ao lado), abalou o universo da empresária angolana, uma das mulheres mais ricas de África, colocando em causa o futuro das suas empresas. Ao todo, são nove as entidades bancárias e as sociedades ‘congeladas’. Para já, os respetivos conselhos de administração foram nomeados pelo tribunal para assumirem o papel de fiéis depositários, ficando impedidos de deixar sair qualquer quantia em dinheiro enquanto decorrer o processo. 

Uma decisão que já levou a empresária a admitir que «há a possibilidade» de ter de fechar empresas, por considerar que foram «condenadas à morte», já que pode estar em causa «os pagamentos de ordenados» aos trabalhadores e a fornecedores. E, face à crise económica que se vive (ver caixa em baixo), a empresária sublinha que, «se as empresas não são acompanhadas muito de perto e não têm o apoio do acionista, de quem as criou, seguramente o risco está sempre aí».

Um risco que é compreendido pelo analista contactado ao SOL. «É normal que não tenha fundos em Angola para cumprir com as suas obrigações com funcionários e fornecedores. Desconheço se, no caso, o Estado tem autonomia para cumprir com as suas obrigações e ser ressarcido após desfecho do caso». Ainda assim, afasta o cenário de fecho de empresas. E dá uma explicação: «As empresas, criando valor e gerando emprego, não fará qualquer sentido que sejam fechadas. Poderá ser um argumento utilizado para impactar socialmente o caso, e pressionar as entidades na resolução do mesmo». 

Uma opinião partilhada por André Pires, analista da XTB. «A situação é delicada, uma vez que envolve muitos postos de trabalho. Caso o processo judicial se desenvolva negativamente para a empresária, existe a possibilidade de falha nos pagamentos». No entanto, mostra-se mais otimista em relação ao impacto em Portugal. «Não me parece que o impacto faça-se sentir nas empresas portuguesas em que a empresária tem participação». 

Recorde-se que a Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola apontou o dedo a Isabel dos Santos, Sindika Dokolo e Mário Silva, acusando-os de «ocultar o património às custas do Estado, transferindo-o para outras entidades». A Justiça angolana acredita que «todo o património dos requeridos encontra-se no exterior» do país e admite que será difícil reaver o dinheiro, porque «os capitais já foram exportados». A PGR de Angola acusou Isabel dos Santos de ter lesado o Estado em mais de mil milhões de euros, dando como exemplo as perdas na sequência do investimento da Sonangol na Galp. A empresária diz que a conclusão do despacho de sentença é «falsa», afirmando que, neste caso, o negócio foi «o mais rentável da história» da petrolífera angolana. Noutro caso, o tribunal indica que foi a própria Polícia Judiciária portuguesa a impedir uma transferência de Leopoldino «Dino» Nascimento, ex-chefe de comunicações do Presidente José Eduardo dos Santos, no valor de 10 milhões de euros, do BCP em Portugal para um banco na Rússia, para a conta de uma sociedade que alegadamente pertence a Isabel dos Santos.

Segundo a Justiça angolana, este arresto pretende ainda evitar a concretização da venda da empresária da sua participação na Unitel, a maior empresa de telecomunicações angolana, num negócio que, de acordo com o tribunal, lesa o Estado angolano em mais de mil milhões de euros.

A filha do ex-Presidente de Angola José Eduardo dos Santos rejeita estas imputações ou que alguma vez o seu pai a tenha favorecido em negócios, garantindo que todo o processo é «politicamente motivado» e apenas «um ajuste de contas» contra a sua família. Através das redes sociais e de comunicados, Isabel dos Santos afirma que «este caso visa mascarar o fracasso de uma política económica falhada, iniciada após a saída do presidente dos Santos», acrescentando que «esta confiscação motivada por questões políticas é um mau sinal para o setor privado». O processo de arresto «não augura um futuro brilhante para o estado de direito em Angola», diz.

Economia angolana em recessão

O Fundo Monetário Internacional (FMI) reviu em baixa a previsão de crescimento da economia angolana, antecipando agora uma recessão de 1,1% já para este ano de 2019 e um crescimento de 1,2% em 2020 – ou seja, menos de metade do que estava previsto. Esta é uma das conclusões da análise detalhada à segunda revisão do Programa de Financiamento Ampliado em curso no país, que permitirá a Angola receber cerca de 3,7 mil milhões de dólares (cerca de três mil milhões de euros) nos próximos quatro anos. De acordo com os técnicos da entidade internacional, «a atividade económica é mais fraca do que era esperado» e, face «às projeções da primeira revisão, o crescimento será mais baixo em 2019 e 2020 devido à produção petrolífera abaixo do esperado». Ainda assim, admitem que a atividade económica irá recuperar gradualmente, a partir do próximo ano, e que será apoiada por um crescimento moderado da economia não petrolífera.  As previsões só são mais otimistas a partir de 2021. É projetado um crescimento a rondar os 3%, «pelos efeitos positivos não só da liberalização da taxa de câmbio, mas também do PIB [Produto Interno Bruto] não petrolífero».