Assessores, mordomias e falta de vergonha

Há quem queira alargar o ‘negócio’ a outras autarquias pedindo milhares de euros para boys & girls

Pouca vergonha é a melhor definição para o que se passa na Câmara e na Assembleia Municipal de Lisboa. Os boys e girls dos diferentes partidos são mais do que muitos e têm ordenados e mordomias muito superiores ao comum dos trabalhadores da Função Pública. E a falta vergonha é tanta que ainda esta semana  a Assembleia Municipal aprovou os ordenados dos antigos assessores em mais de 3.500 euros. Argumentam os defensores e interessados na causa que essa verba pode ser distribuída por vários funcionários, mas não dizem é que há, segundo disse José Eduardo Martins, candidato do PSD à Assembleia Municipal, vereadores que são assessores de si mesmo. Recorde-se que esta visão é totalmente oposta à do seu colega de partido Luís Newton, que impediu Martins de liderar a bancada municipal na fila da Oposição, levando-o a suspender o mandato.

E a pouca vergonha é tanta que na mesma reunião em que aprovaram os ordenados dos assessores decidiram, penso que por unanimidade, alterar o nome de assessores para ‘apoio técnico’. Confesso que não percebi se estão a chamar-nos estúpidos ou se vivem noutro planeta. Tudo é tão revelador do clientelismo político que a Câmara de Lisboa conta com 124 assessores e secretárias – ou ‘apoio técnico’, como se queira – para dezasseis vereadores e para o presidente Medina. Nenhuma outra Assembleia Municipal ou mesmo Câmara tem direito a distribuir tantos cargos pelos seus amigos políticos – diga-se que alguns dos assessores agora contratados concorreram a vereadores e como não foram eleitos entram pela porta dos fundos.

Se vivêssemos num (novo) país nórdico, como Marcelo definiu o Portugal atual, esta discussão seria muito mais transparente. A autarquia faria um esclarecimento público e diria por que foram contratados tantos assessores e qual a razão de o modelo não ser copiado em mais nenhuma autarquia. A transparência contribuiria para dignificar os novos ‘avençados’ e deixaria de esconder uma enorme teia de interesses. Porque, é óbvio, a Câmara não pode funcionar sem assessores, mas pode, seguramente, explicar a razão dos ordenados tão elevados e o que fazem para o justificar. Recorde-se que um dos membros da Assembleia Municipal admitiu ao jornal i, em vésperas da reunião municipal, que os ordenados eram demasiado altos e não havia como o desmentir. No meio disto tudo, foi pena José Eduardo Martins não ter querido dar os exemplos de vereadores que são assessores de si próprios.

Nesta edição, o SOL revela que há quem queira alargar o ‘negócio’ a outras autarquias. O único partido que tem hífenes no nome, Pessoas-Animais-Natureza, pretende que a Câmara de Cascais disponibilize uma verba de cerca de 250 mil euros para contratar os famosos assessores e secretárias. O presidente da autarquia, Carlos Carreiras, um político hábil e ágil que só não vai mais longe por causa da imagem, deu a merecida resposta: «Nós aqui não compramos a oposição e cada um deve exercer o cargo para que foi eleito assumindo as responsabilidades de acordo com as regras».
Também espantoso é o silêncio criado à volta do tema.Mas será que ninguém vê que a Assembleia Municipal de Lisboa tem um estatuto de que mais nenhuma outra dispõe? Não ouviram o que disseram os homens de Rui Moreira sobre o assunto?