Astérix e o ‘doping’ da poção mágica

Pode servir para bater em romanos, mas não para vencê-los no desporto. 40 anos após a morte de Goscinny ainda há essa noção da honra…

Acabam de decorrer quarenta anos sobre a morte de Goscinny: René Goscinny, nascido em Paris em agosto de 1926, desaparecido em novembro de 1977.

Talvez o ano mais importante da sua vida tenha sido o de 1951: regressara a França depois da infância passada na Argentina. Tornara-se desenhador em empresas publicitárias. Nesse ano conheceu AlbertUderzo, nunca mais a banda desenhada seria a mesma.

René desistiu de desenhar.

Consagrou-se inteiramente à criação dos textos das aventuras dos personagens criados pela imaginação incontrolável da dupla. Abandonam as Éditions Dupuis, onde se encontraram,  e fundam uma sociedade chamada Edipresse/Edifrance. Lançam, em 1959, a revista Pilote na qual surgem as Aventuras de Astérix, O Gaulês. Um sucesso universal!

O desporto tem feito, ao longo dos tempos, parte da vida de Astérix e do seu inseparável companheiro, Obélix, e do inseparável companheiro deste último, o pequeno Ideiafix.

O álbum mais recente das aventuras da tripla é, aliás, exemplificativo disso. embora já assinados (tal como os dois anteriores) por uma nova dupla, Jean-Yves Ferri e Didier Conrad, frutos de um ímpeto de continuidade de Uderzo após a morte do seu colega Goscinny e que o levou a criar as Éditions Albert-René: Astérix e aTransitálica, na versão portuguesa, remete para AVolta à Gália  em cima do centenário da Volta a Itália, transfere-se a corrida de França para o outro lado dos Alpes, sem bicicletas, como é lógico, mas com veículos igualmente de duas rodas, puxados por cavalos.

Claro que, se nos debruçarmos sobre a presença do desporto nos livros que têm os gauleses como protagonistas, há um que assume importância maior: Astérix e os Jogos Olímpicos. Aí encontramos igualmente um pormenor tão extraordinário como contraditório perante a idiossincrasia daqueles que, numa pequena aldeia da Armórica, 50 anos A.C., lutam ainda e sempre contra o invasor romano: a negação da poção mágica.

Bem pode o velho druida Panoramix fazer a sua beberagem que dá poderes sobrenaturais. No campo dos Jogos que se disputam em Olímpia, a representação gaulesa está impedida de a utilizar: absolutamente proibido qualquer produto que aumente a capacidade física dos atletas em competição. A poção mágica será muito útil para o espancamento de hordas de romanos, mas inútil para as levar de vencida nas pistas de corridas. O próprio Obélix, inicialmente escolhido para as provas de luta, fica de fora. Por uma questão de honra. Afinal caiu no panelão quando era pequenino.
Os romanos não deixarão de ser vencidos pela poção mágica, mas ao contrário. Não resistem a usá-la quando a descobrem ao alcance. No teste anti-doping feito através da amostragem da língua, são apanhados na batota e desqualificados. Cumpram-se as regras!

Entre brutos e bretões

Dir-se-ia que o desporto preferido dos gauleses é, na obra de Goscinny e Uderzo, a pancadaria. Ninguém os bate nesse campo.

Há álbuns em que o boxe tem direito ao seu espaço nobre de nobre arte: em OCombate dos Chefes e, igualmente, n’Os Jogos Olímpicos, embora no primeiro a poção mágica já não contrarie as regras do combate, de tal ordem que se instala a confusão total que leva druidas a mudarem de cor. No entanto, o recado está lá: como se recordarão, Abraracourcix, o chefe da aldeia, vence o seu adversário romano-galo sem recurso ao elixir. Uma força interior atira-o para um murro monumental que condena o seu adversário a viver apatetado o resto da existência.

Também em Olímpia, o Colosso de Rodes, é um lutador admirável e invencível. Sem deixar de exibir, no entanto, uma enternecedora bonomia.

Camulodunum e Durovernum são duas equipas que se defrontam num encantador desporto bretão na aventura que leva Astérix e Obélix à ilha na qual as pessoas falam ao contrário: é, na verdade, se assim posso dizer, um excitante jogo. Jolitorax, o bretão, propõe-se explicar as regras que praticamente não têm regras. De cada vez que um infeliz recebe o seixo em forma de melão, a equipa contrária inteira cai-lhe sobre os ombros tentando roubar-lha.
Mais uma vez, será um jogador sob o efeito da poção mágica a atingir o brilhantismo, embora desta vez de forma

involuntária: «É, de facto, uma magnífica poção», comentarão os bretões. Esses sempre tão fleumáticos bretões, de irritante autocontrolo, que se tornam histéricos mal as equipas entram em campo.

«Ei-los! Ei-los que entram!!».