Barba à profeta

Nestas barbas compridas há uma alusão óbvia ao islamismo, aos ayatolas e aos chefes religiosos islâmicos radicais

Hoje as modas mudam muito rapidamente. Antes, mudavam devagar, à velocidade de um carro de bois, agora mudam ao ritmo dos aviões supersónicos. 

No tempo da 1.ª República, boa parte dos homens usava barba. Depois as barbas deixaram de se usar e houve o tempo dos bigodes. Mais tarde, também estes caíram em desuso e os homens passaram a usar as caras rapadas.
Quando vemos fotos do 5 de Outubro (de 1910), lá está muita gente barbuda. Os revolucionários civis usavam a barba como símbolo de revolta. E mais tarde foram os monárquicos a usá-la como símbolo de conservadorismo. Mudam–se os tempos, mudam-se as vontades… Mas todas estas mudanças eram lentas. Duravam anos, às vezes décadas.

A seguir ao 25 de Abril (de 1974) houve uma explosão de barbas e cabelos compridos, mesmo na tropa. Eram outra vez símbolos revolucionários. Eu também deixei crescer a barba nessa altura, nas férias de 1975, e nunca mais a cortei. Não propriamente por fervor revolucionário, pois sempre fui moderado, mas porque a minha mulher achou que me ficava bem (ou, pelo menos, ficava melhor de barba do que sem ela…). 

Mas daí para cá os rostos masculinos começaram a mudar mais depressa. As barbas do período revolucionário caíram quase todas, só tendo ficado alguns bigodes e algumas peras ‘célebres’. Marcelo Rebelo de Sousa e Artur Portela Filho, por exemplo, conservaram durante bastante tempo peras e bigodes mefistofélicos. E António Guterres manteve o seu bigode ‘à mexicana’, como Henrique Granadeiro ou Torres Couto, dirigente sindical. 

Todos esses apêndices pilosos faziam parte integrante das imagens públicas dos respetivos proprietários. Acontece que, a dada altura, começou a circular a ideia de que o bigode (para não falar da pera) era uma coisa ‘foleira’ e ‘bimba’. 

Nos filmes estrangeiros, os portugueses eram representados de camisola interior de alças e fartos bigodes. Então, as figuras públicas com algumas pretensões desfizeram-se rapidamente dos bigodes e das peras – e surgiram, ‘como novos’, de rostos bem escanhoados.

Mas as barbas haveriam de conhecer outro fôlego (embora menos farfalhudo) com as chamadas ‘barbas de três dias’. Uma coisa que desde sempre fora considerada um sinal de desleixo, tornou-se rapidamente um ícone de moda. Os galãs das telenovelas, das revistas do coração e das passerelles passaram a apresentar-se todos de barbas de três dias, embora cuidadosamente aparadas. Eram um sinal de masculinidade. De virilidade.

Perante este fenómeno, muitas pessoas que usavam barbas ‘normais’, como eu, mesmo não aderindo à barba de três dias, passaram a usar a barba mais curta. Comecei a aparar a minha pelo menos uma vez por semana, sob o risco de me sentir um vagabundo – pois só os vagabundos continuaram a usar barbas longas. Até que…

Até que, neste Verão, um novo tipo de barba – uma barba comprida ‘à profeta’ – fez a sua aparição. Não é propriamente uma barba igual à dos vagabundos, pois é aparada certa, não tem pontas soltas, mas atinge uns bons 10 cm de comprimento.

Não sei bem como se lançam estas modas, mas julgo saber as razões que levam pessoas a aderir-lhes. A classe média urbana é hoje muitíssimo mais extensa do que era há 20 ou 30 anos, existindo muito mais jovens com acesso à informação e pretensões de se afirmar socialmente. Ora uma forma de o fazerem é seguirem o último grito da moda. ‘Serem’ fashion. 

Por outro lado, nas novas gerações há sempre uma intenção provocatória, de contestação, de oposição à geração dos pais. E isso leva à procura de novas formas de estar e novas imagens.
Este é o pano de fundo.

Mas existe outro fator, de caráter mais imediato, que explicará esta moda. Nestas barbas compridas há uma alusão óbvia ao islamismo, aos ayatolas, aos chefes religiosos islâmicos radicais.

Num tempo em que no Ocidente aumenta a preocupação relativamente aos muçulmanos, é como se esses jovens barbudos dissessem: nós somos solidários com eles. Não os perseguimos. 

Depois das longas barbas dos republicanos, dos bigodes de alguns políticos que ainda estão no ativo, da barba de três dias, surge a barba à profeta. Passará, como as outras. Mas torna alguns jovens assustadores. E isto digo eu, que até uso barba (embora mais curta e já branca).