Beck vira a página

Seis anos depois de Modern Guilt, Beck regressa com o contemplativo Morning Phase e recorda-nos por que é um músico extraordinário.

Passaram-se 12 anos sobre Sea Change, o álbum confessional de Beck. Quando o escreveu, o músico tinha terminado uma relação de longa data e o registo funcionou como uma catarse, sendo as letras e a sonoridade introspectivas adequadas a um disco de confissões amorosas. Depois de Sea Change – provavelmente o trabalho mais conhecido do músico norte-americano a seguir a Odelay (1996) – Beck voltou aos registos ritmados, fazendo das suas habituais mutações entre a pop, o rock, o hip hop e a música de dança o mundo sonoro dos três discos que se seguiram. Há seis anos sem editar – uma operação à coluna que impossibilitou-o de tocar guitarra durante meses – Beck regressa aos discos com Morning Phase (à venda a partir de segunda-feira).

Morning Phase soa ao capítulo seguinte a Sea Change, captando aquela sensação da manhã em que se acorda e se percebe que as dores de crescimento já passaram. Actualmente com 43 anos, não são agora os lamentos amorosos que encabeçam as prioridades de Beck – está casado há dez anos com a actriz Marissa Ribisi, com quem tem dois filhos. São as preocupações normais da idade adulta, do pai de família que não quer ver nos filhos os seus defeitos, do músico que se diverte a fazer canções acústicas simples e directas, explorando uma das heranças musicais que mais aprecia: a folk americana.

O registo reflexivo de Morning Phase talvez também se deva aos seis anos sem editar e à lesão na coluna, que o levou a questionar-se se conseguiria voltar a actuar. Em entrevista à Billboard, o músico esclarece que está preparado para voltar aos palcos, mas provavelmente não o voltaremos a ver fazer digressões extensas como aconteceu no passado. Até porque, acrescenta à mesma revista, a rotina habitual de quem faz música já não lhe interessa: lançar um disco, andar um ano em digressão e depois ir para estúdio e recomeçar.

Os últimos anos de actividade apontam alguns dos caminhos que pretende seguir no futuro. No final de 2012 lançou o livro de partituras Song Read, com centenas de composições suas, mas que nunca gravou nem tenciona fazê-lo. São canções para serem, única e exclusivamente, interpretadas por outros, amadores ou profissionais. Além disso, produziu Thurston Moore (Sonic Youth), Charlotte Gainsbourg e Stephen Malkmus e convidou amigos e outros músicos que admira para gravar versões de algumas das suas canções favoritas, lançadas em vídeo no seu site. As possibilidades são infinitas e tal como Bowie, Beck sempre mostrou ser perito em transfigurar-se. Morning Phase é, então, só mais uma chamada de atenção, como se o músico estivesse a dizer ‘passaram-se seis anos mas estou aqui, virei a página e estou pronto para continuar’. E nós estaremos sempre prontos para o ouvir.

alexandra.ho@sol.pt