Bolo do Caco: Delícia madeirense torna-se ‘praga’ no Continente

Na Madeira (e no Porto Santo) era uma delícia especial. Tinha nome de bolo, mas era um pão óptimo, que se comia quente, acabado de fazer, com manteiga de alho derretida. E fazia furor nos arraiais do arquipélago.

Naquele ambiente único de antigamente, para o qual contribuía o clima subtropical, tornava-se uma maneira saborosa de atenuar as demoras nos restaurantes (exageradas para quem vinha de fora). Lá estava sempre, na mesa, como couvert que não era necessário pedir, a deliciar-nos, enquanto não vinha o resto da comida. Depois, começou a fazer a fama dos pregos madeirenses, em que a carne era reforçada normalmente com uma fatia de fiambre, uma folha de alface e uma rodela de tomate. Nesta altura, talvez já não fossem acabados de fazer, mas vinham ainda assim quentes, e passavam muito bem.

A chegada ao Continente coincidiu com a globalização, que apaga fronteiras e mescla culturas. E lá nos apareceu aí o Bolo do Caco, primeiro num prego especial, depois no hambúrguer, até surgir em prateleiras de supermercados – autêntica ‘praga’, já sem a graça de especialidade de uma ilha subtropical visitada, já sem o estaladiço do acabado de cozer que lhe era original, já sem nos entreter saborosamente nas esperas prolongadas de outras culturas. Primeiro, quando ainda parecia uma novidade continental apurada, fez furor ao aparecer numa hamburgueria gourmet, com o seu nome, surgida em Oeiras (uma iniciativa de Cláudia Saraiva, irmã do futebolista Madjer). Daí até surgir nas mãos de um chefe do Continente, foi um pulo – passando por uma versão do McLusitano, da McDonald’s.

Ao princípio, era preciso correr Lisboa para o encontrar. Hoje, considerado produto gourmet, tropeça connosco em cada esquina, e é tema de revistas e jornais (como aqui se vê).

Há quem garanta que a própria Madeira também teve de o importar em dada altura. Mas uma altura perdida no tempo, que entretanto proporcionara a sua assimilação como característica cultural local.

Diz-se que a origem é árabe. De forma redonda e achatada, é confeccionado com farinha de trigo, fermento de padeiro (30 a 50 grs por kg de farinha) e sal. Devia fermentar três dias, fazendo-se depois uma espécie de bolachas com cerca de 3 cm de espessura e um palmo de diâmetro. A cozedura tradicional era sobre uma pedra de basalto aquecida, a uma temperatura escaldante. Hoje, infelizmente, é possível adquirir placas de cimento, que podem substituir a pedra antiga na cozedura, e permitem um fabrico quase em série – o que faz perder quase toda a graça ao pão, e o torna demasiado acessível. O bolo coloca-se em cima da pedra e coze-se até adquirir uma crosta fina, ligeiramente queimada. Em seguida, é virado, para que fique semelhantemente cozido dos dois lados.

Ainda antes de a moda chegar ao Continente, na Madeira (e Porto Santo) já era consumido – sempre quente, desejavelmente acabado de fazer – não só como entrada (barrado de manteiga derretida com alho, como se disse), mas também numa diversidade de sanduíches. Além do atrás referido prego reforçado, podiam ser sanduíches de fiambre, queijo, peixe-espada, ou polvo, só para citar alguns exemplos.

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