BPN: Acusação desmonta teia de negócios e offshores

A mais recente acusação do Ministério Público (MP) no caso BPN desmonta uma teia de cerca de 50 empresas, a maioria offshores, através das quais foram feitos negócios em série, sempre financiados pelo BPN e sem prestação de garantias.

o banco teve um prejuízo de mais de 100 milhões de euros, sendo descrita no despacho uma teia complexa de centenas de transacções, entre 2000 e 2005. pelo meio, houve quem ganhasse muito dinheiro. a acusação – a quarta no dossiê bpn – é contra nove arguidos, por crimes de abuso de confiança, burla e fraude fiscal qualificadas, sendo o despacho assinado pelos procuradores da república rosário teixeira e manuel dores, do departamento central de investigação e acção penal (dciap).

a ‘estratégia’

são acusados oliveira costa, luís caprichoso, francisco sanches, josé monteverde, coelho marinho – todos antigos gestores do grupo bpn/sln –, os empresários ricardo oliveira, arlindo de carvalho e josé neto, e a empresa destes dois, a amplimóveis. feitas as contas, segundo o mp, ricardo oliveira, que foi testa-de-ferro nos negócios, terá ficado com 45 milhões de euros. já arlindo de carvalho e josé neto, que lhe sucederam no esquema, beneficiaram de empréstimos, «que não pagaram», no total de 63 milhões de euros.

por volta do ano 2000, oliveira costa, francisco sanches e luís caprichoso pensaram numa «estratégia» para projectar os negócios do grupo a sectores não financeiros: imobiliário, turismo e novas tecnologias. e, claro, com o financiamento que o controlo do bpn lhes colocava ao alcance. tinham, porém, um problema: a limitação legal à intervenção directa do banco nesses negócios e, em consequência, a necessidade de as suas contas não reflectirem os créditos concedidos às próprias sociedades do grupo. ou seja, era preciso fintar a supervisão do banco de portugal.

ideias não faltaram a oliveira costa e aos adjuntos – que recorreram a pessoas externas ao grupo, colocadas como detentoras do capital de sociedades, a maioria offshores, que criavam especificamente para os negócios, sendo que o bpn ‘bancava’ todo o dinheiro necessário. usaram no esquema ricardo oliveira, primeiro, e depois arlindo carvalho e josé neto.

foi isso que aconteceu com uma dezena de imóveis. entre estes, um terreno da guia (em cascais, que no total custou ao banco 19 milhões de euros, valendo menos de 4), o palácio das águias (em lisboa, 11 milhões), três terrenos em almancil (3,2 milhões, para um hotel que não foi autorizado), a herdade da miséria (lagos, que não deveria ter ido além de seis milhões, mas que teve uma avaliação forjada de 60 milhões para suportar operações de crédito e liquidar os empréstimos a ricardo oliveira), a herdade da barroca d’alva (alcochete, três milhões) e vários lotes de terreno na quinta do lago (loulé, com largas dezenas de milhões de euros gastos).

‘insular virtual’

como tudo isto acarretava um acréscimo no volume de crédito, que estava a sobrecarregar as contas do bpn, os arguidos transferiram alguns dos financiamentos para o banco insular de cabo verde – presidido por joão vaz mascarenhas e cuja propriedade o bpn mantinha oculta do banco de portugal. mas também o volume de crédito a certos clientes ultrapassou os limites do capital do insular, o que obrigou a novo esquema: um «banco insular virtual», onde, segundo a acusação, «eram criadas contas sem qualquer registo nos livros e também contas offshore detidas e controladas pela própria sln».

em 2004, após uma auditoria, o banco de portugal mandou o bpn assumir os riscos de crédito de alguns clientes, como era o caso de ricardo oliveira. com desentendimentos pelo meio, oliveira costa, para se ver livre dele, decidiu pagar-lhe a peso de ouro as quotas que tinha nas sociedades envolvidas nos negócios. a ruptura levou a um ‘protocolo de entendimento’ entre o grupo e ricardo oliveira, em que os cerca de 60 milhões referentes aos empréstimos que este contraíra junto do bpn lhe foram todos perdoados, tendo ficado ainda com cerca de 45 milhões de lucro.

o grupo recorreu então a arlindo carvalho e a josé neto. segundo a acusação, «foram idealizados como parceiros ideais» do bpn pelo arguido coelho marinho, que fora administrador hospitalar quando arlindo carvalho foi ministro da saúde, no governo de cavaco silva. oliveira costa e seus adjuntos aprovaram-lhes financiamentos para assumirem as «posições societárias e os activos anteriormente detidos pelo arguido ricardo oliveira».

o negócio com um terreno na guia é, aqui, exemplar. o seu valor real andaria pelos 3,7 milhões de euros e, em 2000, oliveira costa e seus adjuntos soubera que estava à venda, decidindo usá-lo como forma de reforçar o capital da real seguros (da sln). o terreno foi comprado por 5,9 milhões pela responsabilimo (de ricardo oliveira e josé monteverde), que a transmitiu à real seguros. na posse de uma declaração do arquitecto capinha lopes, segundo a qual no terreno podia-se construir um empreendimento para habitação – apesar de a câmara de cascais não se ter ainda pronunciado –, revenderam o imóvel a outra sociedade da esfera da sln, por 10 milhões. a autarquia chumbou o projecto e a real vendeu então o terreno à amplimóveis, de arlindo carvalho e josé neto, pelos mesmos 10 milhões. estes revenderam o terreno a uma sua empresa, a ribeira velha, por apenas 4 milhões (vindos do insular) – e ainda fizeram deduzir o prejuízo nos seus impostos, vindo a pagar ao fisco menos dois milhões de euros de irc do que deviam.

o mp pede a condenação dos arguidos numa indemnização ao estado de cerca de 15 milhões de euros, mas só pelos crimes de fraude fiscal. cabe à parvalorem, empresa do estado que ficou com os ‘buracos’ do bpn, exigir aos arguidos os mais de 100 milhões de prejuízo.

paula.azevedo@sol.pt
felicia.cabrita@sol.pt