Brugge-Benfica. Essa incapacitante doença das derrotas

Bem pode o Benfica – que joga hoje na Bélgica – exibir um futebol atraente mas a verdade é que já perdeu quase tudo o que tinha a ganhar – e o futuro não parece brilhante.

Estranho Benfica este. Paradoxal na forma com, com uma única derrota na época até ao momento – bem dolorosa, por sinal, em Braga – já atirou pela janela duas das três competições em que era candidato ao triunfo final (deixemos a Liga dos Campeões para quem pode ganhar a Liga do Campeões). Depois da eliminação da Taça da Liga, com um muito pobre empate face ao Moreirense que deixou a turma de Schmidt em desvantagem na contabilização dos golos do grupo, depois da eliminação da Taça de Portugal – e não vou entrar aqui no caminho da falta de qualidade da arbitragem portuguesa já que há anos a fio venho acusando a incompetência dos árbitros deste futebolzinho mazombo e matreiro (controlando as câmaras do VAR, naquilo que são decisões subjectivas, estão os mesmos inaptos que se passeiam vaidosamente nos relvados) – nada mais resta aos encarnados do que sonhar com o título de campeão, sem dúvida o mais importante (quase ia a dizer o único importante), mas também é preciso concordar que sendo o Benfica a equipa que melhor e mais consistente futebol pratica em Portugal podia ter feito bem mais nas duas competições que servem assim a modos como brincos para juntar à coroa de campeão.

Mário Filho, o jornalista que deu nome ao Maracanã, disse um dia: “A derrota é uma doença que só a vitória cura!” O inverso é igualmente verdadeiro, mas nesta fase de frustrações precisam as águias de responder à letra nesta quarta-feira, em Brugge, com algo que se pareça com uma afirmação de categoria inequívoca para que não deixem no ar esta imagem recente de perdedoras que está a colar-se-lhe à pele de uma forma demasiado incomodativa.

Não querendo repisar a lixeira da arbitragem nacional, a revolta pouco habitual que se libertou de Roger Schmidt e de Rui Costa no final do jogo da Pedreira só terá eco interno e externo se todos percebermos que essa é mesmo uma questão que se resume para cá das fronteiras deste país que o mar não quer, como lhe chamou Ruy Belo, e não passa lá para fora. Era o que faltava.

Favoritismos Convenhamos, por outro lado, que dificilmente o Benfica poderia ter encontrado adversário mais conveniente nesta sua caminhada europeia que já leva dez jogos consecutivos sem derrotas na Liga dos Campeões (pré-eliminatórias incluídas). Claro que manda o povo estar sempre com um olho no burro e outro no cigano – algo que daria para fazer humor com certos dirigentes destes novos partidos nascidos de ideias bacocas e xenófobas – mas dificilmente não podemos olhar para o confronto entre belgas e portugueses sem dar aos lusos a sua dose de favoritismo. Afinal no resumo apresentado até ao momento as exibições do Benfica na Europa foram de modo a absorver a confiança que uma partida destas exige. Quem se bate como bateu (e jogou, sobretudo) contra PSG e Juventus, mesmo não desprezando as óbvias qualidades do Brugge – que foi às Antas ganhar por 4-0, é bom não esquecer! – tem de entrar em campo para se impor. Veremos agora se mais uma competição desperdiçada – e ainda vamos a meio de Fevereiro – terá feito algum estrago psicológico num grupo de gente que há muito que ganha nada. Há alguns meses escrevi nestas páginas que o alemão Roger Schmidt tinha trazido para o Benfica uma onda refrescante de ambição, fugindo das guerras de alecrim e manjerona que nos entopem os ouvidos e nos embaciam os olhos dia após dia após dia. Mas que isso só seria verdadeiramente reconhecido e louvável se chegasse ao final da época como vencedor. Para já Schmidt está a transformar-se numa personagem misteriosa exactamente por tanto ter alertado para a necessidade de trabalhar com minúcia para aguentar as repercussões da paragem para o Campeonato do Mundo do Qatar que trariam consigo dois jogos de importância capital (palavras suas) para o que restava de campeonato. Viu-se, em pouco tempo, que esse trabalho não foi feito como deve ser – a discussão alargar-se-ia demasiado se voltasse aqui à opinião que deixei de que fazer Enzo Fernández jogar em Braga depois deste já ter dito que só fazia o frete por ir de seguida para as festarolas da Buenos Aires – e não só o treinador terá tido responsabilidades. Mas o facto é indesmentível: derrota em Braga, empate na Luz com o Sporting, cinco pontos a voar.

Sim, em Brugge o Benfica não joga apenas a Liga dos Campeões. Joga a sua personalidade.