Canivete suíço abre crise

A imposição de quotas na entrada anual de imigrantes na Suíça, aprovada em referendo no último fim-de-semana, ajudou a polarizar o debate sobre a livre circulação de trabalhadores a poucos meses de uma eleições europeias que ameaçam ser marcadas pelo crescimento dos partidos eurocépticos.

Com uma economia que cresce sem parar desde 2010 e uma taxa de desemprego de apenas 3,5%, os suíços não escondem a preocupação face à entrada no país de 80 mil novos imigrantes por ano, que acusam de sobrecarregar os sistemas de saúde e educação ao mesmo tempo que tornam os salários mais baixos.

É pelo menos essa a ideia de 50,3% dos participantes na votação de domingo, que corroboram a iniciativa do Partido Popular suíço. Apenas mais 19.526 dos que optaram por manter os acordos com a União Europeia, que em 2007 estenderam o país ao espaço de livre circulação de trabalhadores europeus.

Entre os que defenderam o ‘Não’, incluindo o Governo, chegam avisos sobre as consequências para uma economia cujo volume de negócios com a União Europeia representa 56% das exportações e 80% das importações. Como o da associação de banqueiros do país, que em comunicado expressou o “receio de ver o campo de recrutamento de trabalhadores qualificados diminuído” pelas quotas impostas à imigração.

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O Governo, que tem agora três anos para renegociar com a UE de forma a impor as restrições exigidas pelo referendo, garante que “a Suíça não vai rasgar o acordado com a UE em relação à livre circulação”. Mas nem as palavras do Presidente Didier Burkhalter, que também dirige a pasta dos Negócios Estrangeiros, foram suficientes para estancar a indignação de grande parte dos dirigentes europeus.

“É certamente mais importante para a Suíça ter acesso a este mercado, que é o maior do mundo, do que para a UE ter acesso à Suíça”, afirmou o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, antes de deixar claro que “em termos de reciprocidade, não é apropriado que os cidadãos suíços não tenham restrições à liberdade de circulação na União Europeia”.

Queijo suíço e chuva no nabal

Seguindo a posição da maioria dos líderes diplomáticos europeus, o ministro português dos Negócios Estrangeiros Rui Machete, representante da terceira maior comunidade emigrante da Suíça, considerou “preocupante” o resultado do referendo e pediu uma “resposta vigorosa” a Bruxelas.

E a comissária europeia da Justiça não demorou a explicar o que está em jogo. “O mercado único não é um queijo suíço, não pode ter buracos no meio”, afirmou Viviane Reding ao explicar que a livre circulação de trabalhadores faz parte de sete acordos de cooperação entre a UE e o Estado suíço que apenas são válidos como um todo. Nas palavras de Machete, os “suíços não podem querer chuva no nabal e sol na eira”, ou seja, não podem ter acesso privilegiado a um mercado de 500 milhões de consumidores sem permitir a entrada destes no seu mercado laboral.

Mas a divisão interna da Suíça, acentuada pelas diferenças demográficas e linguísticas que caracterizam o país (ver infografia), alastra-se às restantes populações afectadas pelo resultado. O porta-voz do primeiro-ministro britânico considerou que o voto “reflecte as crescentes preocupações sobre o impacto da política de livre circulação”. Mais uma vez, o conservador David Cameron viu-se obrigado a seguir em tom moderado a ideia do líder da extrema-direita britânica. Nigel Farage, do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), fora rápido a elogiar “uma sábia e forte Suíça que se ergueu face ao bullying e às ameaças dos burocratas não eleitos de Bruxelas”.

Tal como os partidos nacionalistas de França, Holanda, Finlândia ou Polónia, o UKIP virou a agulha dos ataques ao Islão para a União Europeia. Uma estratégia que o coloca em segundo nas sondagens britânicas para as europeias.

Populismo vs bloco central

Num relatório do think-tank Notre Europe, do Instituto Jacques Delors, lê-se que “é muito provável que a influência dos eurodeputados populistas aumente após a votação de Maio”. O estudo indica a subida da Frente Nacional francesa, liderada por Marine Le Pen, que pode eleger mais 15 eurodeputados em relação à representação actual. A subida da extrema-direita, que se prevê também na Grécia, Áustria e Finlândia, será acompanhada pelos sucessos eleitorais de partidos como a Esquerda Unida espanhola ou o Movimento Cinco Estrelas do italiano Beppe Grillo.

O estudo concluiu que “os chamados partidos populistas no sentido mais abrangente da palavra vão provavelmente eleger um pouco mais de 200 eurodeputados, ou seja pouco mais de um quarto do hemiciclo, em contraste com apenas 20% que detêm hoje”. Num exercício semelhante em Dezembro, o Le Monde projectou que “o número de anti-europeus em Bruxelas subirá de 100 para um máximo de 160 membros”. O diário francês antecipa uma grande coligação centrista, ao “estilo da Alemanha”.

nuno.e.lima@sol.pt