Católicos ajudaram ao esboroar do Estado Novo

A oposição católica ao Estado Novo, que teve, nas eleições de 1958, com o apoio de católicos ao candidato presidencial Humberto Delgado, um dos momentos de maior evidência, desempenhou um papel importante no esboroar do regime.

“A oposição católica vem minar os alicerces ideológicos do regime”, reconheceu João Miguel Almeida, investigador do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa e do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

Autor de “A Oposição Católica ao Estado Novo 1958-1974”, João Miguel Almeida observa que, “desde sempre, houve vozes católicas muito críticas do regime, ainda que minoritárias”.

Logo em 1931, o padre Joaquim Alves Correia publica “A Largueza do Reino de Deus ou de como a intolerância e o despotismo são apenas variações do Anticristo proteiforme”, livro que “critica radicalmente o nascente fascismo e todas as simpatias ou cumplicidades católicas”. Foi obrigado a exilar-se.

O investigador destacou também o papel do padre Abel Varzim, deputado da Assembleia Nacional, onde procurou defender os operários e os mais desprotegidos. Acabou afastado da Acção Católica.

Para João Miguel Almeida, é, contudo, nas eleições presidenciais de 1958 que a oposição católica ao Estado Novo adquire “visibilidade”, com o apoio de alguns católicos a Humberto Delgado.

Neste ano, começa a ser preparada a Revolta da Sé, que pretendia derrubar o regime com um golpe de Estado. Nas reuniões, na Sé de Lisboa, participam católicos.

Ainda em 1958 é conhecida uma carta a Salazar escrita pelo então do bispo do Porto, António Ferreira Gomes, na qual expressa preocupação face à limitação das liberdades ou à forma de imposição do Estado. Foi forçado ao exílio.

Para o investigador Luís Salgado de Matos, autor de “A Separação do Estado e da Igreja”, esta foi a “primeira divergência pública e notória entre o catolicismo e o Estado Novo”. Mas há outros momentos de fricção.

“Em 1959, a Assembleia Nacional recusa inserir ‘o nome de Deus’ na Constituição, que era reivindicado por numerosos católicos”, adiantou Salgado de Matos, frisando, no entanto, que será “a questão colonial a estar no cerne do conflito terminal entre a Santa Sé e o Estado Novo”.

O investigador explicou que, “no começo dos anos 1950, o Vaticano nomeia para Bombaim um cardeal indiano, o que significou o fim do padroado português do Oriente”, seguindo-se “a viagem de Paulo VI a Bombaim, no final de 1964”, que “levou Lisboa a atacar a Santa Sé”.

“A partir daí, multiplica-se a oposição dos católicos ao Estado Novo”, referiu o investigador das relações entre o Estado e a Igreja.

Entre outros episódios e protagonistas, João Miguel Almeida acrescentou que nas eleições legislativas de 1961 há, pela primeira vez, candidatos católicos nas listas da oposição. E, em 1964, surge o “Direito à Informação”, jornal clandestino de grupos de oposição católica.

Nas legislativas seguintes, é publicado o “Manifesto dos 101” – o número de católicos subscritores – que critica o regime e a sua política colonial.

O movimento de luta anticolonial continua a ganhar importância na oposição católica ao Estado Novo e tem “dois momentos marcantes”, ambos em Lisboa: em 1968, a remoção do padre Felicidade Alves de pároco de Belém, onde pregava contra a guerra, e na passagem de ano de 1972 para 1973, a vigília da Capela do Rato, que culmina com a detenção de 70 pessoas.

Segundo João Miguel Almeida, a partir do final da década de 1960, “alguns católicos radicalizam-se e demarcam-se das estruturas da Igreja Católica que consideram incapazes de concretizar as esperanças abertas pelo Concílio Vaticano II”.

Luís Salgado de Matos adiantou que, nas legislativas de 1969, “há católicos representativos não só nas listas do Estado Novo, mas também nas das duas correntes da oposição, além da lista monárquica”.

Além das eleições, referiu, havia católicos que participavam activamente nos três movimentos de oposição armada ao Estado Novo.

O investigador acrescentou mais um momento: a publicação da Carta Pastoral no Décimo Aniversário da encíclica ‘Pacem in Terris’, da responsabilidade do cardeal António Ribeiro que, em 1971, sucedeu a Manuel Gonçalves Cerejeira, amigo pessoal de Salazar.

Naquele documento, a Conferência Episcopal da Metrópole “proclama os princípios da democracia representativa”. Corria o ano de 1973, a revolução estava à porta.

Lusa/SOL