Ceuta. As Cavalas do Estreito têm alma portuguesa

O Barcelona joga, na quinta-feira, em África, para a Taça do Rei. Resquícios dessa velha opulência colonial.

Alfonso Murube, o estádio, fica em África, mesmo que seja nessa África praticamente Europa logo ali em frente a Algeciras, do outro lado do Estreito de Gibraltar. São assim que se revelam os resquícios das velhas opulências coloniais – porque esta quinta-feira o Barcelona vai ter de jogar no continente africano a eliminatória dos oitavos-de-final da Taça do Rei. Também tivemos, em tempos há muito idos, a presença dos campeões das colónias africanas na Taça de Portugal, mas depois passámos de colonizadores a colonizados, com todo o respeito, e a excentricidade acabou.

Mais teimosos, os espanhóis insistem em manter na sua posse os territórios que chamam de plazas mayores enclavinhados em Marrocos – Ceuta e Mellilla. Não contentes, somam-lhes cinco plazas menores, todas ao largo, Ilha de Perejil, Ilhas Chafarinas, Ilhote de Alhucemas, Ilhote de Vélez de la Gomera, Ilha de Alborán. Ceuta, a Cidade dos Sete Irmãos (referência aos sete montes que a rodeia) ficou para sempre ligada à História de Portugal quando, no dia 21 de Agosto de 1415, as tropas de D. João I, que se fizera acompanhar pelos filhos Duarte, Pedro e Henrique, desembarcaram nas praias de Santo Amaro e deixaram aí, firme, o escudo português que ainda hoje se pode ver por toda a parte, a começar no emblema da Agrupación Deportiva Ceuta, um clube fundado em 1970 e que já morreu e renasceu mais do que uma vez. Na altura do seu aparecimento, Ceuta fervilhava muito mais de futebol do que nos dias que correm. Havia dois clubes rivais a disputarem a mesma III Divisão do que  Agrupación Deportiva: o Atlético de Ceuta e o África Ceutí. 

O Agrupación nunca teve vida feliz nem tranquilidade administrativa. Ainda conseguiu jogar uma época na II Divisão, mas a acumulação de problemas financeiros fez com que se extinguisse em 1992, com apenas vinte e dois anos de vida. Ou seja, o nome ficou vago. E não tardou a ser aproveitado pelo Atlético de Ceuta, que nascera em 1956 por via da fusão do  Sociedad Deportiva Ceuta e do Atlético Tetuán, que, num golpe de vivacidade sem nada de ilegal, foi tomar o lugar do Atlético Tetuán na II Divisão de Espanha.

Popularidade. Essa passagem pela II Liga durou pouco. A falta de qualidade dos seus jogadores era tão evidente que ninguém se espantou que, três épocas mais tarde, o Atlético de Ceuta que passara a chamar-se Agrupación Deportiva Ceuta Fútbol Club, ocupando o nome deixado vago pelo anterior Agrupación, se debatesse como podia nos quintos e sextos escalões do futebol espanhol. No entanto, e um pouco contra todas as expectativas, ganhou uma popularidade até então nunca vista em nenhum clube da cidade. Las Cababllas, como eram conhecidas – As Cavalas – conseguiam ter em seu redor, nos jogos disputados no Estádio Afonso Murube, mais de 6500 espetadores, sobretudo quando as partidas eram jogadas contra os rivais citadinos do Império ou o Ceutí Atlético.

Como seria de esperar, é pobre, muito pobre, o palmarés do Agrupación, tanto com o nome actual como com os anteriores. Onze épocas na II Liga é o melhor que pode apresenatar a quem o o visita, e neste caso são os Condes de Barcelona que vão ao campo das Cavalas. Na Taça do Rei, ultrapassaram até hoje por duas vezes a primeira eliminatória. Esta época passaram o Utrera (1-0), na pré-eliminatória, o Unión Deportiva Ibiza (3-2), na primeira eliminatória, e o Elche nos 1/16 avos de final, ou seja, estão a realizar a melhor competição da sua existência. Alfonso Murube – um antigo jogador do Atléico de Ceuta -, que esteve durante anos a fio entregue ao abandono, nesse tempo conhecido pelo Docker, já que servia de espaço para arrumação para contentores durante a II Grande Guerra, ressuscitou a bom tempo. Agora, tal como aconteceu em 2001, recebe o Barcelona. Se, há 22 anos, a vitória catalã foi categórica (3-0), nada se passou para que não volte a sê-lo. Ainda assim, há um pouco de Portugal no jogo excitante de quinta-feira.