Chineses: A nova vaga em Portugal

O perfil dos chineses em Portugal está a mudar. Aos restaurantes e lojas dos 300 estão a juntar-se milionários e multinacionais do gigante asiático, com uma presença crescente na alta finança, no imobiliário e no sector energético. E, segundo adiantou ao SOL o vice-presidente da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, Ilídio Serôdio, as grandes…

a comunidade chinesa em portugal começou a formar-se nos anos 30, vinda sobretudo da província de zhejiang, sudoeste da china. mas foi nos anos 80 e 90 que floresceram os negócios familiares no comércio e na restauração, lançados por imigrantes com pouca escolaridade e baixos salários, que procuravam escapar à vida difícil na china e enviar dinheiro à família que ficava.

embora se acredite que o número de chineses em portugal possa chegar a 20 mil cidadãos, com os imigrantes não registados, os censos de 2011 indicam que há oficialmente mais de 11 mil residentes chineses no país, uma subida de 427% face a 2001. foi o segundo grupo de estrangeiros a residir em portugal que mais cresceu, a seguir aos romenos: em dez anos ultrapassou o número de espanhóis em portugal (cerca de 10 mil).

o comércio a retalho e grossista e a restauração são os principais sectores onde os chineses têm negócios: 43% são vendedores em lojas, 22% são patrões no comércio e 9% são cozinheiros.

e se começaram com os restaurantes apostando na exótica comida chinesa e com lojas de pechinchas, a crise obrigou-os a adaptarem-se. “depois de estarem em lisboa e porto, houve uma tendência de descentralização, de abrir negócios em cidades de menor dimensão. com a crise, regressaram aos grandes centros”, explica miguel santos neves, do instituto de estudos estratégicos e internacionais, que tem investigado a presença chinesa em portugal.

sair do comércio étnico

além disso, mudaram de ramos: os menus dos restaurantes passaram a ter sushi e o comércio apostou na venda de frescos. “o negócio das frutarias é uma das respostas à crise”, realça o professor universitário. “mostra a saída da economia étnica. no passado, todos os sectores onde estavam envolvidos tinham fornecedores chineses, com fortes relações dentro da comunidade. no sector das frutas e legumes vão directamente a produtores portugueses”.

mas a crise e as recentes aquisições feitas em portugal tiveram outros efeitos: “o primeiro foi a reestruturação da comunidade de negócios chinesa tradicional, que está em portugal há mais tempo e não é homogénea. outro efeito é o surgimento de mais segmentos. além das microempresas, com negócios familiares de pequena dimensão, há agora as grandes empresas e os investimentos estatais e privados”. e, segundo o investigador, já começam a surgir relações entre estes dois níveis: “para os movimentos de quadros dessas empresas, estão a contratar preferencialmente uma ou duas agências de viagens chinesas que operam em portugal”.

com a entrada no imobiliário e a criação de empresas para ter o visto gold “há potencial para aparecer um núcleo de empresários chineses de média dimensão. teremos uma comunidade mais complexa”.

essa complexidade começou com dois nomes: china three gorges e state grid, colossos estatais chineses que protagonizaram grandes investimentos de capital na edp e ren. depois veio a armada financeira, os bancos icbc e o bank of china. mais recentemente, o fundo fosun comprou os seguros da caixa geral de depósitos.

duas realidades

estas grandes empresas devem formar uma associação e representar a nova face do império comercial em portugal. reflectem a abertura da economia chinesa ao exterior e o desejo de consumo de uma classe média crescente, num país com quase 1,4 mil milhões de pessoas.

contribuindo para reduzir a dívida pública com a aquisição de empresas públicas, os chineses dominaram metade das privatizações, onde já investiram mais de quatro mil milhões de euros.

somam-se os que têm comprado casas em zonas bem localizadas. e os turistas, cujos 26 milhões de receitas geradas até outubro do ano passado ultrapassaram o total de 2012. hoje, são todos estes chineses, ávidos de luxo, que percorrem a avenida da liberdade e os centros comerciais em busca de marcas conceituadas e caras. que querem ter activos fora da china para diversificarem o risco dos investimentos.

contrastam com a realidade dos chineses tradicionais no país, espelhada num estudo recente do banco de portugal: entre os trabalhadores estrangeiros em portugal, os chineses eram os que ganhavam menos. recebiam um salário médio de 446 euros, contra a média de 737 entre os empregados não-portugueses e os 873 euros da média nacional.

ana.serafim@sol.pt