Colisão

Que terá levado o primeiro-ministro grego a anunciar uma moção de confiança e um referendo ao pacote de medidas gregas aprovado no último Conselho Europeu? A hipótese mais plausível é a de que queira sacudir a dupla pressão a que está a ser sujeito – pela troika e pelo seu povo.

a primeira consequência do anúncio foi a entrada em queda livre dos títulos bancários pelas bolsas mundiais. o capital financeiro entrou literalmente em pânico ante a simples possibilidade de um povo ser chamado a decidir… sobre assuntos da sua vida e das suas contas. de onde é útil concluir: a democracia e a bolsa andam de candeias às avessas.

a segunda consequência do anúncio foi o de destruir o trabalhoso plano urdido pela cimeira. foi chão que deu uvas e ponto. ele deu dois dias de bolsas a subir, outro no assim-assim e ao quarto tudo se finou. basta um primeiro-ministro de um país periférico anunciar um referendo para se esvaírem as reservas de confiança dos mercados financeiros? ou é preciso que tal anúncio ocorra no contexto de um acordo mínimo entre líderes inaptos para as funções que ocupam?

vá-se lá saber porquê, na semana passada a generalidade dos comentadores saudou as decisões da cimeira merkozy. que pela primeira vez o poder de fogo da ue estava à altura dos desafios, que o euro se tinha salvo in extremis e sei lá que mais. tal avaliação não tem ponta por onde se pegue. as decisões do eixo franco-alemão são um arranjo, mais um, numa cadeia de más e péssimas decisões misturadas com quilómetros de indecisões.

os governos reconheceram a necessidade de reestruturar a dívida grega depois de terem andado ano e meio a dizer que nunca o fariam. mas não concluíram pelo perdão de 50 por cento dessa dívida. com efeito, as perdas são voluntárias e não se concluíram as negociações sobre elas. o anúncio de papandreou só pôs em questão o que estava colado com cuspo. mesmo que tudo corresse pelo melhor, o impacto do ‘perdão’ seria de apenas 20 pontos no nível de endividamento do país. a grécia continuaria sem qualquer horizonte de saída, até porque persiste a violência das medidas de austeridade que a condenam a uma prolongada recessão. sobre o essencial, o conselho nada disse. decidiu, contudo, colocar a troika a viver em atenas. para qualquer grego com uma réstia de patriotismo na sua cabeça, esta medida é, em si mesmo, uma afronta.

eles podem detestar o seu primeiro-ministro, mas nem por isso ficarão satisfeitos por o ver ir a despacho dos governadores nomeados pela capital do império. com este tipo de provocações, a história só pode acabar mal.

pior, só a declaração de passos coelho segundo a qual portugal estaria agora mais longe de qualquer reestruturação da sua dívida. está-se mesmo a ver, não está?