Crowdfunding: De onde virá o dinheiro?

No dia 24 de Outubro, Frankie Chavez registou-se no site nacional PPL Crowdfunding para, tal como todos os participantes ali presentes, pedir apoio financeiro para um projecto, neste caso a gravação do seu próximo disco. O objectivo era angariar cinco mil euros no espaço de dois meses e, quando o prazo terminou, a 23 de…

frankie chavez (nome artístico de francisco chaves) começou a tocar profissionalmente em 2008 e, desde então, o músico nunca conseguiu um contrato com uma editora (a única excepção foi o primeiro ep homónimo, lançado pela optimus discos, que apoia maioritariamente projectos em início de carreira). apesar das negas que obteve das duas editoras com quem conversou, o guitarrista não perdeu a fé no seu trabalho e, em 2011, quando quis lançar o primeiro longa-duração, family tree, decidiu avançar com uma edição de autor, financiada integralmente por si. «na altura não dependia da música para pagar a renda, por isso podia reinvestir o dinheiro que fazia com os concertos e os direitos de autor no disco. foi o que fiz», conta frankie, explicando que, desta vez, o cenário é diferente: «neste momento vivo só da música, não tenho outro trabalho, o que torna o investimento num disco muito mais difícil».

a solução para co-financiar o próximo álbum – uma vez que, segundo as contas de frankie, os cinco mil euros só cobrem parte das despesas que terá com o trabalho – surgiu, então, depois de um amigo lhe aconselhar a realização de uma campanha de crowdfunding. «já tinha ouvido falar neste conceito, mas nunca me tinha debruçado sobre», comenta frankie, revelando que depois de uma reunião com a ppl percebeu que, hoje em dia, esta «é uma das maneiras mais viáveis para conseguir alavancar projectos sem recorrer à banca», além de somar outro aspecto positivo que é «o envolvimento dos fãs». «eles acabam por sentir que o projecto também é deles», diz o músico.

a primeira acção de crowdfunding (financiamento colectivo) de que há registo no mundo aconteceu em 1997, precisamente na área da música. com uma campanha divulgada apenas na internet, os fãs dos marillian angariaram cerca de 60 mil dólares para que a banda de pop/rock britânica conseguisse realizar uma tournée nos estados unidos. a angariação nunca teve o envolvimento da banda, mas desde então os marillian têm usado, com sucesso, este sistema para financiar os seus álbuns e digressões.

fincher tem o apoio dos fãs

pelo mundo fora, os pedidos de financiamento colectivo cobrem todo o tipo de projectos, mas a cultura é uma das áreas com maior peso e já há exemplos bastante impressionantes. este ano, o consagrado realizador david fincher (a rede social, clube de combate) viu, em janeiro, o seu filme de animação the goon cancelado por falta de financiamento. mas, dez meses depois, em novembro, graças à petição que a sua produtora lançou no kickstarter (uma das maiores plataformas de crowdfunding mundial), o projecto recebeu quase 400 mil dólares só em donativos anónimos.

na sétima arte, outro exemplo de peso é o do também aclamado realizador de queres ser john malkovich? ou o despertar da mente. no espaço de 60 dias, charlie kaufman conseguiu a mesma quantia de david fincher para o seu próximo filme. a grande diferença é que, enquanto fincher alcançou a quantia pedida, kaufman duplicou a verba inicialmente solicitada.

segundo a revista norte-americana forbes, actualmente as plataformas de crowdfunding angariam no mundo inteiro cerca de 3 mil milhões de dólares (em 2011 o total foi de 1,5 mil milhões de dólares). e as estimativas de sites como o kickstarter ou o indiegogo prevêem que, nos próximos anos, o total de apoios atinjam os 500 mil milhões de dólares (seis vezes mais do que o regaste financeiro a portugal).

as platafaformas nacionais

em portugal esta realidade só chegou no ano passado, quando três alunos do lisbon mba international da universidade católica se conheceram e perceberam que partilhavam as mesmas ideias e interesses de trabalho em rede. «a ideia surgiu em abril de 2011, numa altura em que não existia nenhuma plataforma de crowdfunding em portugal», explica pedro domingos, um dos sócios fundadores da ppl. no verão desse ano estavam online, juntamente com a massivemov, outra plataforma nacional que apareceu praticamente em simultâneo.

tanto a ppl como a massivemov aceitam projectos de várias áreas mas, tal como nos sites estrangeiros, a área cultural e criativa é a mais apelativa. «já tivemos projectos de teatro, arquitectura, documentários, livros e exposições, mas a música tem sido mais facilmente financiada», revela pedro domingos, enumerando as razões para este sucesso: «as campanhas correm bem porque já há uma base de fãs, é fácil perceber o projecto, as recompensas [dependendo do valor doado, o promotor oferece contrapartidas] são bastante directas [como um disco autografado ou bilhetes para um espectáculo] e o crowdfunding em portugal ainda está muito virado para consumidores».

regime de tudo ou nada

além de frankie chavez, na música, o financiamento do novo álbum dos primitive reason (cujo maior apoio chegou do estrangeiro) e dos poppers foram outros casos de sucesso no ppl. mas independentemente da área, todos os participantes regem-se pelas mesmas regras. «ficamos com 5% do total angariado, num sistema de tudo ou nada. se o objectivo for, por exemplo, cinco mil euros e só forem angariados 4.500, o dinheiro é devolvido às pessoas», refere pedro domingos, revelando que só autoriza a colaboração do promotor para cobrir a verba em falta quando o objectivo está praticamente cumprido. «em tempos tivemos um projecto de teatro que queria nove mil euros e, quando faltava um dia para a campanha terminar, tinham angariado mil. eles queriam depositar os oito mil em falta para irem buscar os mil doados, mas não aceitámos. isso seria subverter o conceito», afirma o responsável que também considera o crowdfunding uma excelente forma de «validar um projecto» em termos de audiência.

alexandra.ho@sol.pt