(De)coração de interiores

Cinco bailarinos sobem ao palco da Culturgest à procura de um sítio que possam chamar de casa em Home, a nova coreografia de Luís Marrafa.

Se um palco vazio com cortinas pretas em redor pode ter alguma coisa de semelhante a uma casa, é quando cinco bailarinos se movimentam nele como se estivessem fechados num apartamento à procura do seu lugar. E é isso que acontece em Home, a nova coreografia de Luís Marrafa que vai estar hoje e sábado no Grande Auditório da Culturgest, Lisboa.

«É como se cada um estivesse de tempos a tempos sozinho no seu quarto para depois nos encontrarmos todos na sala. É interessante para mim tentar entender as diferentes visões de cada um sobre isso», explica o criador que aqui está em palco como intérprete.

Este processo «individualista que também tem sempre um lado de grupo», e que se pode simbolizar com a convivência num apartamento, não é apenas aquilo que se vive no palco – o ponto de partida para o espectáculo também foi muito pessoal e confluiu num confronto com os outros.

Luís Marrafa nasceu na Alemanha, viveu lá dez anos, e só depois veio para Portugal. «Ainda por cima para Évora, que é um grande contraste. Foi complicado para me adaptar». Depois de concluir os estudos ainda rumou a Londres e agora vive em Bruxelas. «Tenho tido vários países, várias casas». E é desta impossibilidade de encontrar um poiso fixo que nasce a questão que acaba por estar na origem de Home, exacerbada pela chegada aos 40 anos de idade: «Onde quero ficar?».

Na mesma demanda, em movimentos que num certo momento parecem uma luta territorial e noutro – dedo indicador muitas vezes esticado – são apenas uma dúvida sobre o ponto a que se pertence ou para onde se quer seguir, estão também os bailarinos Petra Van Gompel, António Cabrita, Marcia Liu e São Castro.

Depois de muito «trabalho de casa», Luís Marrafa apresentou aos bailarinos o material de partida e ficou a contar com o retorno. «Há dois portugueses, uma belga e uma chinesa. Eles também me deram muito sobre esta questão».

Por isso o trabalho passou por duas residências artísticas, uma ainda na Bélgica e outra no Espaço do Tempo, em Montemor-o-Novo. Até chegar ao tal palco vazio que pode ser uma casa e onde os bailarinos abrem espaços, arrumam os corpos e encaixam uns nos outros à procura desse lugar a que podem pertencer – «um sítio em que nos possamos sentir bem».